INTERAÇÃO COM A LÍNGUA PORTUGUESA.
Atividades com textos diversos, exercícios para sala de aula, modelos de provas e dicas de atividades em Língua Portuguesa; reflexões e pensamentos que ajudam no ensino aprendizagem de jovens , adultos e crianças.
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quarta-feira, 24 de maio de 2017
Sousa,
Márcio. História da Amazônia, 2009. Editora Valer, Manaus.
SOLDADOS,
CIENTISTAS E VIAJANTES
O RELATO, que foi durante a conquista a forma
especial de expressar literariamente a
região- ao mesmo tempo , documentos e relação dissocia-se numa forma que é
ainda documento, mas indiretamente por meio da poesia e, por meio do
inventário, quando a conquista se transforma em colonização>(...) é
necessária racionalidade(...) ordenar a
Amazônia(...) . E, em especial, o domínio empírico do relato, no qual a teoria
e a prática literária viam a região se estabelecer com semelhanças e
afinidades, e no qual se podiam cruzar o
fantástico e a linguagem da perplexidade. P. 162. 163.
(...) instaura-se a
racionalidade mercantil(...) que vem fazer desaparecer o relato e promover o
texto à poesia, à ciência , ao
romance(...). Na poesia, há mesmo uma quebra sutil com a tradição cristã,
deuses da antiguidade clássica perambulam a para com o formalismo carregado e
moralista do homem ibérico.É um racionalismo tímido, à moda católica
tridentina, não-especializado, sem ser universalista, não profissional sem ser
burguês. (p.163)
MONTANDO
O QUEBRA CABEÇA TROPICAL
Os mais avançados dos
observadores foram os sábios viajantes, uma categoria que proliferou nos
séculos XVIII e XIX.Espanhóis e portugueses relutavam muito em conceber
passaporte a esses tipos extravagantes, geralmente cientistas sob comissão de
algum potentado ou algum reino europeu. (..) De tudo o que foi observado,
relatado, dissecado, empacotado e despachado para as mais diversas capitais do
velho mundo, pouco foi de grande valia para os habitantes da Amazônia.Suas
vidas seriam modificadas pelas conclusões desses homens de ciência(...) p. 163.
Com a onda dos
cientistas viajantes, começa a ser fabricado o renitente mito de que a Amazônia
é um vazio demográfico, uma natureza hostil aos homens civilizados, habitada
por nativos extremamente primitivos sem vida política ou cultural.É a Amazônia
terá sem história, que tem permitido toda sorte de intromissão e arbitrariedade(...)
p. 163
Foi o primeiro
cientista importante a atravessar a região foi
o francês Charles Marie La Condamine.(...) Homem de temperamento forte e
obsessivo, La Condamine era um típico sábio do século XXIII, meio cientista,
meio soldado, meio aventureiro. Filho de
uma família de aristocracia rural, (...) , dominava um vasto campo de
conhecimento , como a matemática, a astronomia e as ciências naturais(...)
reunia em sua personalidade a própria essência
de um tempo marcado pelo fanatismo religioso, refinamento intelectual,
extrema licenciosidade, sofisticação dos modos e brutalidade.(...) aos dezoito
anos torna-se oficial do exército e
participa de combates na Espanha.Foi no cerco da cidade de Rojas que ouviu,
pela primeira vez , sobre o Peru, os Andes, os Incas e a Amazônia., em
conversas com um oficial espanhol prisioneiro de guerra.(...) Aos vinte e nove
anos conquista uma cadeira na academia de ciências de Paris(...) se tornou
amigo de Voltaire(...) na América do Sul, duas expedições foram
organizadas(...) era preciso fazer medições e triangulações exatas do globo
terrestre(...) para o Sul (...) La
Condamine(...) p. 164
La Condamine estava
ouço interessado em refutar Isaac Newton(...) o desejo era (...) conhecer seus mistérios
escondidos por mais de dois séculos(...) p. 165
Nos sete anos de
trabalho, cinco membros da equipe morreram em situação trágica e alguns outros
enlouqueceram diante dos rigores da selva equatorial. (p.165)
(...) La Condamine
(...)perseverou (...) repetindo a rota de Francisco Orellana ( ....) se juntou
ao jesuíta Maldonado(...) . faz estudos e observações sobre os povos indígenas,
a flora e a fauna, sempre maravilhado com a profusão de novidades apresentadas
pela exuberante natureza tropical(...0 foi o primeiro cientista a fazer a
descrição de várias espécies desconhecidas dos europeus até então, como os
botos , o uso do curare e a borracha.É tmbém o primeiro a confirmar a
existência de uma ligação entre a bacia do Orenoco e a d Amazonas, ligação esta
que será usda, muito depois, pelo cientista alemão Alexander Von Humboldt. P. 166
(...) se sentiu atraído
pelo incidente com as Amazonas, relatado, em cores dramáticas, por
Carvajal(...) .Tão certo estava da existência das mulheres guerreiras que, certa
vez, durante uma parada no rio Solimões, viu duas índias que desapareceram na
selva tão logo ele tentou se aproximar, passando a considerar esse fato como um
possível encontro com as Amazonas. p. 166
(...) publicou diversos
estudos e um cuidadoso relato de viagem, além de ter elaborado, durante sua
estadia em Caiena, um detalhado mapa da bacia amazônica, tão perfeito que pode
ser usado ainda hoje . p. 166
Os
OUTROS CIENTISTAS
SEGUIRAM OS PASSOS DE LA
CONDAMINe (...) entre 1790 e 1900,
dezenas de viajante e cientistas
atravessaram a Amazônia, MOVIDOS PEL a
curiosidade, pelo espírito de aventura, pela COBIÇA e pelo desejo de desvendar o desconhecido.
(...) os ingleses
Alfred Russel Wallace( 1823-1913) e Henry Walter Bates(1825-1892) , que navegaram
pelo Amazonas até Manaus, de onde partiram em direções opostas. Bates
visitou o Solimões, enquanto Wallace seguiu para o Rio Negro. Ambos realizaram um
precioso trabalho científico, especialmente no campo da botânica; o matemático
e botânico amador norte-americano Richard Spruce(1817-1913), que ouviu falar na
expedição de Wallace e Bates, pegou um barco
e veio encontrá-los em Santarém, onde ficou um ano coletando plantas;
O
oficial de guerra dos Estados Unidos- William Lewis Herdom(1813-1857) ,eu foi
enviado pelo governo americano para investigar as potencialidades econômicas da
Amazônia, viajou pelo rio Amazonas, vindo do Peru, relatando mais tarde, ao
Congresso dos Estados Unidos, que a
região possuía enormes potencialidades e
deveria ser colonizada por homens brancos, não por índios;
Dr.
Robert. Christian Avé-Lallement(1812- 1857) , que
esteve entre os Mura do Madeira e os tucano de Tabatinga ;
William
Chandlles, que
explorou o território acreano, esteve no Purus e descobriu um tributário
desse mesmo rio, que ganhou seu nome;p.167
O
cientista suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz(1807-1873) , professor da Universidade de
Harvard , que acompanhado de sua mulher , Elisabeth, viajou através do rio
Amazonas, medindo o físico dos índios e deixando um relato com tinturas
racistas , já eu combatia a mestiçagem e considerava o homem amazônico um
exemplo de degeneração; p.167
Henry
Anatole Coudreau(-1847- 1899),
que viajou pela Guiana Francesa, pelo RO Branco e os rios Urubu e Trombetas,
contatando diversas tribos e considerava os índios seres inferiores que
deveriam ser exterminados para dar espaço aos europeus civilizados p. 167
OS
SEDUZIDOS PELA SELVA
(...)
Alguns
realmente se identificaram com a região, com o povo, dedicando suas vidas ao
conhecimento e ao aprendizado.
João
de São José Queiroz , que deplorou o estado em que se
encontravam os povos indígenas (...);
Ricardo
Franco de Almeida Serra(1750- 1809),
que
se apaixonou pelos povos indígenas da
Amazônia e se casou com uma índia terena(...);
O
oficial do Exercito Imperial brasileiro João Henrique Wilkens de Matos(1784-1857)
, que
lutou na Cabanagem mas se tornou um defensor dos cabocos e índios, denunciando
o estado de degradação e decadência em que se encontravam o rio Negro e seus povos; (...)
Antônio
Gonçalves Dias( 1823- 1864), que viveu seis
meses entre os Mawé, Mura Mundukuru,
mostrando-se solidário com esses povos; (...)
Charles
Frederick Hartt( 1840-1878, (...)
escreveu
uma síntese etnográfica da Amazônia e
foi um dos primeiros a compreender a importância e a riqueza dos mitos indígenas;
João
Barbosa Rodrigues( 1842-1894) , que,
ao lado de sua esposa Constança
Rodrigues, e deixou uma magnífica coleção de literatura oral dos índios
O
conde italiano Ermano Stradelli- ,
que
se apaixonou pelo povos do rio Negro, denunciou os abusos cometidos pelos
missionários católicos e registrou o
rico universo mitológico de diversas tribos;
Theodor
Koch Grunberg(1872-1924) (...) estudo sobre a mitologia dos Tariana,
Tukano, Makuxi e Wapixana, revelando grande identificação e solidariedade com
esses povos.
“
O escritor brasileiro Euclides da Cunha-(1866- 1909)“ que
chefiou a Comissão Brasileiro-Peruana de Demarcação, viajou pelo rio Purus e escreveu um dos mais contundentes textos de
denúncia da denúncia terrível exploração a que eram submetidos os
seringueiros”. 168.
William
James
O mais emblemático desses viajantes foi o filósofo norte-americano William
James , que, aos 23 anos veio à Amazônia
acompanhando a expedição de Louiz Agassiz(...)
discorda frontalmente de seu professor racista e escravagista, revelando
grande simpatia pelos povos indígenas e pela maneira de ser dos brasileiros. Numa carta à irmã, Alice James,
datada de 31 de agosto de 1865, (...) faz uma descrição das gentes e dos
costumes da região. “ os índios que vi até agora são ótimas pessoas, de uma
linda cor acastanhada com cabelos lisos e finos”” p.169-170
As
transformações do discurso Colonial -
(...) Foi
assim que, pela contribuição de tantos viajantes, mas sem romper com a velha
tradição da consciência de desigualdade, o discurso colonial passa a mudar na
Amazônia, a partir de 1750.(...) A expressão torna-se leiga e profana, e as
narrativas perplexas já não são formas de conhecer, mas , antes uma reflexão
mais decidida sobre colisão entre culturas e naturezas, que se escondam e
subitamente se revelaram no choque(...) Por toda parte e desenham-se as fábulas
da região, mas , agora , sabe-se que são
fábulas; é o tempo da necessidade de louvar a própria força e tentar a
compreensão da ciência P. 171
John
Gabriel Stedman- (1744-1797) , autor de Joana or the
Female Slave, um dos maiores sucessos literários do seculo XVIII;
Em
segundo lugar Henrique João Wikens,
cujo
poema épico Muhuraida, sobre a guerra aos índios Mura, substitui poeticamente
as velhas analogias dos viajantes pioneiros; em terceiro , o desenhador de
Bolonha, Antônio Landi( 1713), um dos plasmadores da cidade de Belém, modelo de
cidade Amazônica;
O
cientista Alexandre Rodrigues FERREIRA(1784-1815), FAZ
EMERGIR A GRANDE REGIÃO AO SISTEMA DAS OBSERVAÇÕES CIENTÍFICAS.
Stedman_
“convive com a sociedade escravocrata” (...) vaso espanhol(...) tortura
inventada por Aguirrre (...) p.172
(...) A prostituição de
escravas funcionava ativamente todas as noites, com mulheres brancas que
oferecem negaras aos homens” p. 172
(...) Stedman acaba conhecendo a mulata Joana
(...)
Landi
, acompanhado do astrônomo Angelo Bruneli, chega a Lisboa, onde participa dos
preparativos das expedições até a
partida para o Grão –Pará.
ESTUDOS DO MESTRADO-UNIR
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
Disciplina: Literatura e Estudos Pós-coloniais.
Docentes: Prof. Dr.Miguel Nenevé e Profª Drª. Sonia Maria Gomes Sampaio.
Sousa, Márcio. História da Amazônia, 2009. Editora Valer, Manaus.
ESTUDOS DO MESTRADO
O AUTOR : Márcio Gonçalves Bentes de Souza Escritor amazonense . (4/3/1946-). Teve influências da família para o gosto literário: avô, avó, pai. Márcio Souza tinha biblioteca em casa. Seu pai lia porque era operário, mas era da aristocracia dos trabalhadores. Os gráficos tinham que ser alfabetizados, tinham que ler. (…) Seu avô lia também. Ganhou muito livro de presente dele. Era comandante de navio, passou a vida toda viajando pelos rios da Amazônia, um grande contador de histórias. Então, tinha a conjugação dessas histórias de seu avô, de naufrágios, e o contato com os índios. Seu avô os adorava. Deu nomes de índios para todos os filhos. Seu pai se chamava Jamacir. Iraci, a minha tia. Jurandir… Tudo nome de índio. Seu avô tinha amizade com os índios e esse contato com os livros. Seu processo de formação como leitor se deu primeiro em casa. A avó, que não conhecia, gostava de escrever poesias e lia em francês e inglês. Ela encomendava livros pelo correio, no início do século 20. Havia livrarias em Manaus que encomendavam livros na França .A avó deixou para os filhos a sua biblioteca. O pai ficou com uma parte, minhas primeiras aventuras de leitura. Além disso, todos os sábados a mãe fazia uma limpeza em nossa casa e todos eram expulsos de lá. Eram em três irmãos. O pai , operário gráfico , os levava ao trabalho com ele, só que não podiam ficar na oficina da Imprensa Oficial do Estado, então ele os deixava no setor infantil da Biblioteca Pública de Manaus. O irmão do meio, que era mais chegado a um jogo de bola, a uma arruaça, adorava. Mais tarde se tornou jornalista, ou seja, trabalhou sempre com a escrita. Isso nos deu intimidade com o livro.
E a Amazônia é o tema da maioria de suas obras. nasceu em Manaus (4/3/1946-), estudou Ciências Sociais na USP e começou a vida profissional no cinema, como crítico, roteirista e diretor. Antes de se formar, em 1969, publica o primeiro ensaio, O Mostrador de Sombras (1967). Ganha fama com seu primeiro romance, Galvez, Imperador do Acre, lançado em 1976. Divertida alegoria sobre a conquista do Acre pelo Brasil, o livro é bem recebido pela crítica e traduzido para várias línguas. Em 1991 assume a direção do Departamento Nacional do Livro e, em 1995, a presidência da Fundação Nacional de Arte (Funarte).( 1995 e 2003). Escreve, entre outros livros, A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi (1982), O Palco Verde (1984) e A Caligrafia de Deus (1994). Em 1998 lança o romance Liberdade, sobre a fundação do Grão-Pará. Um dos mais destacados escritores de sua geração, é, reconhecidamente, um dos maiores intelectuais do Amazonas, do Brasil e já com nome internacional. É membro da Academia Amazonense de Letras do Amazonas. A sua obra destaca-se pelas leituras que faz sobre a Amazônia, seja no campo da História ou da Literatura; seja no teatro, seja no cinema. As suas conferências atraem não só os intelectuais da terra, como também estudantes e o público em geral, pois ouvir Márcio Souza é ouvir uma das maiores vozes da Amazônia. Entre outras, é autor das obras: Mad Maria, Galvez, imperador do Acre, A expressão amazonense, 1978 o ensaio A Expressão Amazonense - Do Colonialismo ao Neo-Colonialismo.
Objetivo de estudo: Na terceira parte do livro História da Amazônia de Mário Souza pretende-se conhecer parte do processo de conquista da Amazônia com a participação de homens que empreenderam ( período de 1500 a 1800) iniciando com a descoberta da água do doce do grande rio, fato que motiva grandes expedições de espanhóis e portugueses e outros países europeus . Em busca ainda do chamado El Dorado, esses enfrentaram as diversas tribos indígenas que viviam na região, causando o extermínio e dizimação de milhares de aldeias em um dos mais horrendos e bárbaros períodos da história da Amazônia. Foram mais de 250 anos de exploração em que a condição humana parecia não chegar ao seu limite tendo em vista as barbaridades cometidas pela ganância e ambição , por tirarem do índio o direito de ser índio e assim uma tentativa de apagamento do que foi e do que é a Amazônia até hoje.
Citação do DISCURSO DE POSSE DE MÁRCIO SOUZA NA ACADEMIA AMAZONENSE DE LETRAS.
“evocar é buscar cumplicidade com as experiências passadas, com as histórias humanas que já se foram, com as existências que lutaram e superaram suas contingências. Celebro, portanto, esta noite, a feliz coincidência de contar com antecessores que trilharam caminhos tão semelhantes aos que percorro”.
Sousa, Márcio. História da Amazônia, 2009. Editora Valer, Manaus.
A CONQUISTA
TERCEIRA PARTE ( p. 65 à 116)
“ Entre a chegada dos primeiros europeus e o fim do sistema colonial, 250 anos se passaram. Foram tempos de conflitos e de muito sangue derramado, em que um mundo acabou em horror e outro começou a ser construído em meio ao assombro. A Amazônia foi inventada nesse tempo, porque antes era terra do verão constante, a terra em que se ia jovem e voltava velho, a terra do sem-fim”( p. 65)
“ Em 250 anos, o europeus se mostraram extremamente repetitivos. Chegaram em busca de riqueza e se deram conta da falta de mão de obra. Assaltaram as populações indígenas, apresaram escravos, mas a carência de mão de obra persistiu.(...) A Amazônia, como hoje a conhecemos, é fruto dessa cega perseverança. Os colonizadores pensaram em construir uma unidade produtiva, mas só lograram demarcar uma fronteira econômica” p. 66
O primeiro europeu ( descobriu que navegava em mar de águas doce)
“Em fevereiro de 1500, depois de sair de Palos e de fazer algumas paradas nas ilhas canárias e do Cabro Verde, um capitão espanhol mandou que seus quatro galeões rumassem ao Sul(...) litoral nordestino brasileiro (...) Deu o nome de Santa Maria de La consolación ao acidente geográfico, e regressou ao Norte, finalmente se dando conta de que estava navegando em água doce. (...) ficou surpreso em saber que navegava num mar de água potável (...) Vicente Yânez Pinzòn , que tinha comandado a caravela Ninã na expedição de Cristovão Colombro” p.67
“(...) para explorar aquelas riquezas foi nomeado governador e capitão geral daquelas terras, pelo próprio rei. Pinzòn deu ao rio o nome de Santa Maria de La Mar Dulce” P. 68
O segundo europeu ( confronto devido ao sequestro de 36 indígenas)
“ (...), chega na foz do rio Amazonas o espanhol Diego de Lepe, (...), mas não teve a mesma sorte de seu conterrâneo – os índios da região- provavelmente da etnia tupinambá-, enfurecidos com o sequestro de seus 36 companheiros, receberam os visitantes de forma belicosa, matando alguns espanhóis que tentaram desembarcar. A resposta foi imediata(...) os tiros dos arcabuzes provocaram o primeiro massacre de índios. Não seria o último” p.68
Francisco de Orellana
“ jovem espanhol(...) , o primeiro a conduzir uma expedição pelo Mar Dulce(...) é provável que tivesse alguma ligação com a família Pizarro.(...) Aparentemente, ele deixou a Espanha ainda adolescente, viajando para as índias em busca de riqueza, como tantos outros espanhóis. Era muito corajoso , de temperamento explosivo, e há registro de sua passagem pela Nicarágua, antes de tomar parte da conquista do Peru , durante a qual se revelou um fiel partidário ddos irmãos Pizarro(...) perdeu um olho.
“ Em 1540(...) conseguiu vencer os índios da costa equatoriana e fundou a cidade de Santiago de Guayaquil.
Gonzalo Pizarro
“ No mesmo ano (...) chega a Quito, na qualidade governador da província, e começa a organizar uma ambiciosa expedição para conquistar e tomar posse dos desconhecidos territórios orientais(...) pensava em dois objetivos : (...) sonhava em romper com esse monopólio. O segundo , mais fantasioso, mas não menos improvável que o território da canela, era encontrar o fabuloso reino do El Dorado” p. 69
O El Dorado- A lenda
“País fabuloso (...) se dizia ser tão rico (...), segundo a lenda, o chefe da tribo recebia em todo o corpo uma camada de ouro em pó e a seguir se banhava num lago vulcânico” p. 69
“(...) Em busca do El Dorado também foram para as selvas outros europeus, como portugueses, franceses, holandeses e irlandeses”(...) E todos quiseram se apossar da riqueza escondida, desses países fabulosos que foram progressivamente mudando de nome e de lugar: Guyana, El Dordo, Candire, Paititi, Mojos, Manoa , mantendo sempre as mesmas promessas e causando os mesmos desenganos. O mitos dourados são essencialmente fenômenos de fronteira, e a fronteira sempre foi lugar violento(...) , muitas pessoas perderam a vida de forma atroz, mas quando relatados os fatos, muitas vezes parecem contos de fadas concebidos por um demente” p. 71
“(...) Mas não se deve estranhar esse fato, porque os espanhóis tiveram experiências tão extravagantes no Novo Mundo que o El Dorado não parecia menos real” p.71
As primeiras tentativas espanholas na Amazônia
“ Em 1538,(...) Pedro de Anzures liderou 300 espanhóis, 4.000 índios e, inexplicavelmente algumas das moças mais bonitas de Cuczo(...) também ouviu falar do Eldorado, mas os rigores da natureza o obrigaram a voltar. A expedição resultou em sofrimentos terríveis, com espanhóis tendo de comer os próprios cavalos e sucumbindo às doenças e à fome. (...) A maioria dos índios morreu, e os que sobreviveram se alimentaram dos cadáveres dos que tinham morrido de fome” ( p.71)
A expedição de Gonzalo Pizarro ( “atirar aos cães” )
“Em fevereiro de 1541, (...) 220 cavaleiros armados e encouraçados, milhares de Ilhamas para transporte de alimentos, 2.000 porcos, 2.000 cães de caça-enormes e ferozes cães que os espanhóis atiçavam contra os índios, dando origem à expressão “ atirar aos cães”(...) a tropa era também reforçada por 4.000 índios da montanha, condenados a morrer no clima úmido e calorento da selva” p.71
“ (...)Fransico de orellana, chega depois da partida da escpedição, exausto e quase sem dinheiro (...) embora com pouca comida e ignorando as advertências das autoridades de Quito, (...) segue em busca de seu líder(...) , apenas com suas armas, mas foram recebidos com alegria por Gonzalo, que deu a Orellana o título de comandante-geral das forças combinadas” p71.
“ o terreno era pantanoso, com lama e muitos rios para atravessar. Cavalgar num terreno como esse era impossível, o que fragilizava os espanhóis” p.72
“ Pizarro perguntava onde ficavam os vales e as planícies, mas era uma informação que ninguém sabia dar. Invariavelmente, Pizarro atiçava seus cães contra os índios ou os matava, um por um, com requintes de crueldade” p.71
“ (...) Pizarro decidiu voltar. Mas encontraram uma tribo que lhes falou de um reino poderoso , muito rico, que existia mais abaixo do rio. Esta é uma história que qualquer um teria inventado para se ver livre daqueles arrogantes visitantes, mas os índios não contavam com a brutalidade de Pizarro. O chefe da tribo foi feito prisioneiro , e o s que resistiram foram trucidados a trios de arcabuz”
“ Tinham perdido todos os índios trazidos de Quito e comido quase todos os porcos. Pizarro não contava com muitas opções e a mais razoável teria sido voltar. Mas os espanhóis não estavam no Novo Mundo para praticar cautela e o senso comum. Por isso quando Orellana se ofereceu ( ...) para descer o rio em busca de comida, Pizarro Aceitou, mas advertindo que deveria voltar em menos de quinze dias” ( p. 73)
“ Orellana ia comandar sessenta homens, inclusive um cronista, frei Gaspar de Carvajal, conterrâneo de Orellana e Pizarro, que tinha vindo do peru para estabelecer o primeiro convento dominicano no país” ( p.73)
O CRONISTA DA EXPEDIÇÃO
“Abrimos as páginas de frei Gaspar de Carvajal, em RELÁCION DEL NUEVO DESCUBRIMIENTO DEL FAMOSO RIO GRANDE DE LAS AMAZONAS, e o que vemos é uma linguagem mediadora para a ação missionária da conquista. (...) O mundo que Carvajal transforma em escritura é um mundo que se abre em suas surpresas para pôr à prova a vocação missionária(...) uma limitação que não pode ultrapassar os dogmas da fé. (...), a paisagem não é senão paisagem par o destino maior do Cristianismo sobre a terra”. P. 73
“A gama de observações nesse relato é curiosamente ingênua. Há muitas noções que, se consideradas do ponto de vista da cultura europeia, foram dosadas por Carvajal, com forte acento medievalista. Ele era um homem mergulhado na mística salvacionista da Contrareforma e procurava sempre reforçar as próprias convicções, limitando o visível da região observada e ampliando os seus mistérios(...) é no texto de frei Gaspar que podemos acompanhar a trajetória de Orellana” p. 74
A DESCIDA PELO REINO DOS TUXAUA GUERREIROS
“Carvajal conta no terceiro dia de viagem, o bergantim abalroou um tronco flutuante e um rombo se abriu(...) estavam perto da margem, em águas rasas(...) onde o consertaram. Mas estavam sem nenhuma comida”
“ Em 1542(...) ouviram distante rumor de tambores(...) , eles encontraram a aldeia . Os índios mostraram suas armas e não pareciam amigáveis, mas os espanhóis atacaram com tanta ferocidade que a aldeia foi tomada em questão de minutos. Para a sorte de Orellana, havia muita comida e eles tiveram seu primeiro almoço decente em semanas.(...) usando uma língua que ele tinha aprendido com índios do rio coa, conseguiu que lhe indicassem o chefe. Quando este se apresentou, Orellana deu-lhe um abraço e presentes, conquistando sua confiança” ” P.74
“(...) era hora de voltar para Pizarro(...) o regresso não estava nos planos dos e mais espanhóis(...) argumentaram que a melhor opção seria seguir em frente, baixando o rio. De início Orellana resistiu, mas os homens começaram a deixar claro que estavam dispostos a tudo, até mesmo a trair seu comandante. (...) aceitou lidera-los na viagem rio abaixo e decidiu mandar construir um barco maior” p.74
“ A viagem prosseguiu, sempre com a ajuda dos índios, que lhes ofereciam alimentos. Orellana deu ordens para que os índios fossem tratados com amizade, e essa política estava dando bons resultados” p. 75
“ Quando finalmente entraram nas águas do grande rio, foram informados de que estavam no território do grande Aparia, um poderoso chefe tribal(...) os espanhóis foram, assim, guiados até o aldeamento do grande chefe, onde foram bem recebidos, puderam descansar e de onde partiram em 24 de abril de 1542”
“ No dia 3 de junho eles alcançaram a boca do rio Negro. Carvajal descreve o fenômeno do encontro das águas, com águas escuras do rio Negro correndo por entre o amarelo do grande rio.(...) O nome do rio Negro foi dado por Orellana” p. 75
“os espanhóis tomaram um pequeno povoado, quase só de mulheres, de onde começaram a recolher toda a comida que pudessem carregar. No final do dia, os homens da aldeia regressaram e deram com os espanhóis ocupando suas casas. (...) Orellana agiu como um típico colonizador espanhol, ordenando que a aldeia fosse incendiada e mandando enforcar os prisioneiros(...) após a missa de Corpus Cristi, deixaram para trás alguns índios na ponta da corda e as casas em chamas.” p.75
(...) Alguns dias depois(...) eles entraram no território da rainha Amurians, ou a “Grande Chefe”. Era uma área bastante habitada, com enorme população, mas bastante hostil. Na primeira tentativa dos espanhóis de desembarcarem para conseguir comida, mereceram um ataque tão feroz que tiveram que disputar cada centímetro de chão, até conseguir voltar aos barcos, onde uma esquadra da canoas já os cercava. Entre os feridos estava frei Gaspar de Carvajal, que recebeu uma flechada na coxa e , mais tarde, em outra escaramuça, uma flechada num dos olhos” P. 76.
“ (...) a presença de mulheres entre os guerreiros . Carvajal as descreve como mulheres de alta estatura, pele branca, cabelos longos amarrados em tranças, robustas e nuas, vestidas apenas com uma tanga.(...) Um índio(...) interrogado por Orellana, ele contou que as mulheres viviam no interior da selva e todo aquele território lhes pertencia. Suas aldeias eram feitas de pedra e somente mulheres podiam viver nelas. Quando desejavam homens, elas atacavam reinos vizinhos e capturavam os guerreiros. Se a criança nascida fosse mulher, era criada e ensinada nas artes da guerra (...) Se fosse homem ,a criança , quando não era morta, era entregue ao pai” ” P.76
“ A história narrada pelo índio é a mesma que seria contada para sir Walter Raleigh e repetida 200 anos depois ao cientista Charle Marie de la Condomine, bem como para Spruce , 300 anos mais tarde. Mulheres guerreira comandadas por uma matriarca é um mito comum aos povos do rio negro, médio Amazonas e Orenoco”. P. 76
“ Quando a aventura de Orellana se tornou conhecida, o grande rio nunca mais foi chamado de Mar Dulce. Agora era o rio das Amazonas. Carvajal(...) regressou ao Peru e viveu até os 80 anos, ocupando vários postos na hierarquia eclesiástica de Lima” ( p.78)
“ Orellana (..) seu primeiro ato(...) requerer ao rei o título de governador das terras que tinha descoberto (..) Nova Andalúzia. O título lhe foi outorgado, mas o rei não lhe forneceu recursos financeiros(...) Orellana não esmoreceu: emprestou dinheiro, empenhou tudo o que tinha e armou quatro navios, que os fiscais consideravam inadequados para a empreitada. (...) vislumbrando um futuro de miséria(...) partiu assim mesmo(...)
“Finalmente , Orellana atinge o arquipélago de Marajó e tenta avançar rio acima. A expedição contava com poucos sobreviventes, insuficientes par fundar uma colônia(...) doente, perde-se no labirinto de ilhas(...) Num dia qualquer do final e agosto, faminto e desesperado, ele morre. Seu corpo é enterrado numa das margens do rio Amazonas” ( p.79)
A REVELAÇÃO DA AMAZÔNIA
“ Como a narrativa de frei Gaspar de Carvajal vem provar, a revelação da Amazônia foi um verdadeiro impacto para os europeus. Uma verdadeira colisão cultural, racial, social, que, como em toda a América latina, provocou as mesmas contradições que se repetiram ao longo do caminho da empresa desbravadora” p.79
“ Em nenhum momento Carvajal esboça qualquer referência a respeito da supremacia cultural do índio na Amazônia. Para o cronista, somente um ponto era comum entre o índio e o branco: a violência com que atacavam ou se defendiam. Por isso , as sociedades indígenas deveriam ser erradicadas e os povos amazônicos destribalizados e postos a serviço da empresa colonial”. P.79
“ As crônicas dos primeiros viajantes são de escrupulosa sobriedade em relação aos sofrimento dos índios. ( ...) instala-se a incapacidade de reconhecer o índio em sua alteridade. Negaram ao índio o direito de ser índio (...), ficou sequestrada também a Amazônia” p 81
Os Alemães : primeiros colonos
“ Contrariando as crônicas da conquista da América, não foram espanhóis ou portugueses os primeiros europeus a tentar um modelo de colonização. Foram surpreendentemente, os alemães. Em 1528, o imperador Carlos V, da Espanha , outorgou aos comerciantes da cidade de Asburg , o direito de posse deu uma parte da Costa da Venezuela” p..81
“(...) Ambrósio de Alfinger que dois anos depois comandou uma expedição(...) extremamente cruel com os índios. (...) aprisionava os índios e os mantinha acorrentados pelo pescoço. – em série- (...) era muito comum mandar decapitar aqueles que ficavam cansados e doentes(...) durou um ano, e no final os índios se rebelaram e assassinaram” ( p.82).
“ Em 1536, George de Spires, sucessor de Alfinger , conduziu outra expedição (...) p.82
“ Em 1541(...) Philip Von Huten(...) conduzido pelas histórias contadas pelos índios sobre o fabuloso El Dorado . Ao voltar para o litoral da Venezuela, encontrou a povoação alemã ocupada por piratas espanhóis, e foi decapitado. No mesmo ano as autoridades espanholas retiraram dos alemães a concessão daquele território, encerrando , assim, a participação teutônica na conquista da Amazônia.” P.82
OUTRAS TENTATIVAS ESPANHOLAS
“Enquanto isso , os espanhóis estavam ativos em busca do El Dorado. Em 1566 foi a vez de JUAN ALVAREZ MALDONADO, o mais formidável cavaleiro do Peru, que desceu dos Andes com uma tropa bem provisionada. Mas , ao chegar à selva, irrompe uma rebelião que divide em duas a expedição(...) lutam entre si(...) e os sobreviventes facilmente capturados pelos índios e morto. Maldonado consegue sobreviver(...).
Pedro de Ursua, Guzman e Lope de Aguirre
“ A expedição mais famosa do período foi realizada em 1560 por Pedro de Ursua, Fernando de Guzman e o desvairado Lope de Aguirre”
“ (...) Tudo começou quando umapopulação inteira de índios do litoral brasileiro , provavelmente Tupinambá, chegou a Qutio, onde pediram asilo(...) fugindo das atrocidades dos portugueses(...) dos horrores no litoral atlântico. (...) contaram aos espanhóis que haviam encontrado muito ouro, especialmente na terra dos Omágua(...)”
“ Pedro de Ursua acredita nos relatos do índios e resolve organizar uma expedição(...)
Conforme consta nos registros de frei Gaspar de Carvajal, a expedição feita por Orellana em 1541 e 1542 pelo maior rio do mundo, ajudou a recriar a lenda das mulheres guerreiras, as amazonas da mitologia grega clássica. As icamiabas[1] eram índias que dominavam a região próxima ao rio Amazonas,[2] riquíssima em ouro. Quando Orellana[3] desceu o rio em busca de ouro, descendo os Andes (em 1541) o rio ainda era chamado de Rio Grande, Mar Dulce ou Rio da Canela, por causa das grandes árvores de canela que existiam ali. A belicosa vitória das icamiabas contra os invasores espanhóis foi tamanha que o fato foi narrado ao rei Carlos V, o qual, inspirado nas antigas guerreiras hititas[4] ou amazonas, batizou o rio de Amazonas. Amazonas (a, "sem" e mazôn, "centro") é o nome dado pelos gregos às mulheres guerreiras.[4]
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
Disciplina: Literatura e Estudos Pós-coloniais.
Docentes: Prof. Dr.Miguel Nenevé e Profª Drª. Sonia Maria Gomes Sampaio.
Sousa, Márcio. História da Amazônia, 2009. Editora Valer, Manaus.
ESTUDOS DO MESTRADO
O AUTOR : Márcio Gonçalves Bentes de Souza Escritor amazonense . (4/3/1946-). Teve influências da família para o gosto literário: avô, avó, pai. Márcio Souza tinha biblioteca em casa. Seu pai lia porque era operário, mas era da aristocracia dos trabalhadores. Os gráficos tinham que ser alfabetizados, tinham que ler. (…) Seu avô lia também. Ganhou muito livro de presente dele. Era comandante de navio, passou a vida toda viajando pelos rios da Amazônia, um grande contador de histórias. Então, tinha a conjugação dessas histórias de seu avô, de naufrágios, e o contato com os índios. Seu avô os adorava. Deu nomes de índios para todos os filhos. Seu pai se chamava Jamacir. Iraci, a minha tia. Jurandir… Tudo nome de índio. Seu avô tinha amizade com os índios e esse contato com os livros. Seu processo de formação como leitor se deu primeiro em casa. A avó, que não conhecia, gostava de escrever poesias e lia em francês e inglês. Ela encomendava livros pelo correio, no início do século 20. Havia livrarias em Manaus que encomendavam livros na França .A avó deixou para os filhos a sua biblioteca. O pai ficou com uma parte, minhas primeiras aventuras de leitura. Além disso, todos os sábados a mãe fazia uma limpeza em nossa casa e todos eram expulsos de lá. Eram em três irmãos. O pai , operário gráfico , os levava ao trabalho com ele, só que não podiam ficar na oficina da Imprensa Oficial do Estado, então ele os deixava no setor infantil da Biblioteca Pública de Manaus. O irmão do meio, que era mais chegado a um jogo de bola, a uma arruaça, adorava. Mais tarde se tornou jornalista, ou seja, trabalhou sempre com a escrita. Isso nos deu intimidade com o livro.
E a Amazônia é o tema da maioria de suas obras. nasceu em Manaus (4/3/1946-), estudou Ciências Sociais na USP e começou a vida profissional no cinema, como crítico, roteirista e diretor. Antes de se formar, em 1969, publica o primeiro ensaio, O Mostrador de Sombras (1967). Ganha fama com seu primeiro romance, Galvez, Imperador do Acre, lançado em 1976. Divertida alegoria sobre a conquista do Acre pelo Brasil, o livro é bem recebido pela crítica e traduzido para várias línguas. Em 1991 assume a direção do Departamento Nacional do Livro e, em 1995, a presidência da Fundação Nacional de Arte (Funarte).( 1995 e 2003). Escreve, entre outros livros, A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi (1982), O Palco Verde (1984) e A Caligrafia de Deus (1994). Em 1998 lança o romance Liberdade, sobre a fundação do Grão-Pará. Um dos mais destacados escritores de sua geração, é, reconhecidamente, um dos maiores intelectuais do Amazonas, do Brasil e já com nome internacional. É membro da Academia Amazonense de Letras do Amazonas. A sua obra destaca-se pelas leituras que faz sobre a Amazônia, seja no campo da História ou da Literatura; seja no teatro, seja no cinema. As suas conferências atraem não só os intelectuais da terra, como também estudantes e o público em geral, pois ouvir Márcio Souza é ouvir uma das maiores vozes da Amazônia. Entre outras, é autor das obras: Mad Maria, Galvez, imperador do Acre, A expressão amazonense, 1978 o ensaio A Expressão Amazonense - Do Colonialismo ao Neo-Colonialismo.
Objetivo de estudo: Na terceira parte do livro História da Amazônia de Mário Souza pretende-se conhecer parte do processo de conquista da Amazônia com a participação de homens que empreenderam ( período de 1500 a 1800) iniciando com a descoberta da água do doce do grande rio, fato que motiva grandes expedições de espanhóis e portugueses e outros países europeus . Em busca ainda do chamado El Dorado, esses enfrentaram as diversas tribos indígenas que viviam na região, causando o extermínio e dizimação de milhares de aldeias em um dos mais horrendos e bárbaros períodos da história da Amazônia. Foram mais de 250 anos de exploração em que a condição humana parecia não chegar ao seu limite tendo em vista as barbaridades cometidas pela ganância e ambição , por tirarem do índio o direito de ser índio e assim uma tentativa de apagamento do que foi e do que é a Amazônia até hoje.
Citação do DISCURSO DE POSSE DE MÁRCIO SOUZA NA ACADEMIA AMAZONENSE DE LETRAS.
“evocar é buscar cumplicidade com as experiências passadas, com as histórias humanas que já se foram, com as existências que lutaram e superaram suas contingências. Celebro, portanto, esta noite, a feliz coincidência de contar com antecessores que trilharam caminhos tão semelhantes aos que percorro”.
Sousa, Márcio. História da Amazônia, 2009. Editora Valer, Manaus.
A CONQUISTA
TERCEIRA PARTE ( p. 65 à 116)
“ Entre a chegada dos primeiros europeus e o fim do sistema colonial, 250 anos se passaram. Foram tempos de conflitos e de muito sangue derramado, em que um mundo acabou em horror e outro começou a ser construído em meio ao assombro. A Amazônia foi inventada nesse tempo, porque antes era terra do verão constante, a terra em que se ia jovem e voltava velho, a terra do sem-fim”( p. 65)
“ Em 250 anos, o europeus se mostraram extremamente repetitivos. Chegaram em busca de riqueza e se deram conta da falta de mão de obra. Assaltaram as populações indígenas, apresaram escravos, mas a carência de mão de obra persistiu.(...) A Amazônia, como hoje a conhecemos, é fruto dessa cega perseverança. Os colonizadores pensaram em construir uma unidade produtiva, mas só lograram demarcar uma fronteira econômica” p. 66
O primeiro europeu ( descobriu que navegava em mar de águas doce)
“Em fevereiro de 1500, depois de sair de Palos e de fazer algumas paradas nas ilhas canárias e do Cabro Verde, um capitão espanhol mandou que seus quatro galeões rumassem ao Sul(...) litoral nordestino brasileiro (...) Deu o nome de Santa Maria de La consolación ao acidente geográfico, e regressou ao Norte, finalmente se dando conta de que estava navegando em água doce. (...) ficou surpreso em saber que navegava num mar de água potável (...) Vicente Yânez Pinzòn , que tinha comandado a caravela Ninã na expedição de Cristovão Colombro” p.67
“(...) para explorar aquelas riquezas foi nomeado governador e capitão geral daquelas terras, pelo próprio rei. Pinzòn deu ao rio o nome de Santa Maria de La Mar Dulce” P. 68
O segundo europeu ( confronto devido ao sequestro de 36 indígenas)
“ (...), chega na foz do rio Amazonas o espanhol Diego de Lepe, (...), mas não teve a mesma sorte de seu conterrâneo – os índios da região- provavelmente da etnia tupinambá-, enfurecidos com o sequestro de seus 36 companheiros, receberam os visitantes de forma belicosa, matando alguns espanhóis que tentaram desembarcar. A resposta foi imediata(...) os tiros dos arcabuzes provocaram o primeiro massacre de índios. Não seria o último” p.68
Francisco de Orellana
“ jovem espanhol(...) , o primeiro a conduzir uma expedição pelo Mar Dulce(...) é provável que tivesse alguma ligação com a família Pizarro.(...) Aparentemente, ele deixou a Espanha ainda adolescente, viajando para as índias em busca de riqueza, como tantos outros espanhóis. Era muito corajoso , de temperamento explosivo, e há registro de sua passagem pela Nicarágua, antes de tomar parte da conquista do Peru , durante a qual se revelou um fiel partidário ddos irmãos Pizarro(...) perdeu um olho.
“ Em 1540(...) conseguiu vencer os índios da costa equatoriana e fundou a cidade de Santiago de Guayaquil.
Gonzalo Pizarro
“ No mesmo ano (...) chega a Quito, na qualidade governador da província, e começa a organizar uma ambiciosa expedição para conquistar e tomar posse dos desconhecidos territórios orientais(...) pensava em dois objetivos : (...) sonhava em romper com esse monopólio. O segundo , mais fantasioso, mas não menos improvável que o território da canela, era encontrar o fabuloso reino do El Dorado” p. 69
O El Dorado- A lenda
“País fabuloso (...) se dizia ser tão rico (...), segundo a lenda, o chefe da tribo recebia em todo o corpo uma camada de ouro em pó e a seguir se banhava num lago vulcânico” p. 69
“(...) Em busca do El Dorado também foram para as selvas outros europeus, como portugueses, franceses, holandeses e irlandeses”(...) E todos quiseram se apossar da riqueza escondida, desses países fabulosos que foram progressivamente mudando de nome e de lugar: Guyana, El Dordo, Candire, Paititi, Mojos, Manoa , mantendo sempre as mesmas promessas e causando os mesmos desenganos. O mitos dourados são essencialmente fenômenos de fronteira, e a fronteira sempre foi lugar violento(...) , muitas pessoas perderam a vida de forma atroz, mas quando relatados os fatos, muitas vezes parecem contos de fadas concebidos por um demente” p. 71
“(...) Mas não se deve estranhar esse fato, porque os espanhóis tiveram experiências tão extravagantes no Novo Mundo que o El Dorado não parecia menos real” p.71
As primeiras tentativas espanholas na Amazônia
“ Em 1538,(...) Pedro de Anzures liderou 300 espanhóis, 4.000 índios e, inexplicavelmente algumas das moças mais bonitas de Cuczo(...) também ouviu falar do Eldorado, mas os rigores da natureza o obrigaram a voltar. A expedição resultou em sofrimentos terríveis, com espanhóis tendo de comer os próprios cavalos e sucumbindo às doenças e à fome. (...) A maioria dos índios morreu, e os que sobreviveram se alimentaram dos cadáveres dos que tinham morrido de fome” ( p.71)
A expedição de Gonzalo Pizarro ( “atirar aos cães” )
“Em fevereiro de 1541, (...) 220 cavaleiros armados e encouraçados, milhares de Ilhamas para transporte de alimentos, 2.000 porcos, 2.000 cães de caça-enormes e ferozes cães que os espanhóis atiçavam contra os índios, dando origem à expressão “ atirar aos cães”(...) a tropa era também reforçada por 4.000 índios da montanha, condenados a morrer no clima úmido e calorento da selva” p.71
“ (...)Fransico de orellana, chega depois da partida da escpedição, exausto e quase sem dinheiro (...) embora com pouca comida e ignorando as advertências das autoridades de Quito, (...) segue em busca de seu líder(...) , apenas com suas armas, mas foram recebidos com alegria por Gonzalo, que deu a Orellana o título de comandante-geral das forças combinadas” p71.
“ o terreno era pantanoso, com lama e muitos rios para atravessar. Cavalgar num terreno como esse era impossível, o que fragilizava os espanhóis” p.72
“ Pizarro perguntava onde ficavam os vales e as planícies, mas era uma informação que ninguém sabia dar. Invariavelmente, Pizarro atiçava seus cães contra os índios ou os matava, um por um, com requintes de crueldade” p.71
“ (...) Pizarro decidiu voltar. Mas encontraram uma tribo que lhes falou de um reino poderoso , muito rico, que existia mais abaixo do rio. Esta é uma história que qualquer um teria inventado para se ver livre daqueles arrogantes visitantes, mas os índios não contavam com a brutalidade de Pizarro. O chefe da tribo foi feito prisioneiro , e o s que resistiram foram trucidados a trios de arcabuz”
“ Tinham perdido todos os índios trazidos de Quito e comido quase todos os porcos. Pizarro não contava com muitas opções e a mais razoável teria sido voltar. Mas os espanhóis não estavam no Novo Mundo para praticar cautela e o senso comum. Por isso quando Orellana se ofereceu ( ...) para descer o rio em busca de comida, Pizarro Aceitou, mas advertindo que deveria voltar em menos de quinze dias” ( p. 73)
“ Orellana ia comandar sessenta homens, inclusive um cronista, frei Gaspar de Carvajal, conterrâneo de Orellana e Pizarro, que tinha vindo do peru para estabelecer o primeiro convento dominicano no país” ( p.73)
O CRONISTA DA EXPEDIÇÃO
“Abrimos as páginas de frei Gaspar de Carvajal, em RELÁCION DEL NUEVO DESCUBRIMIENTO DEL FAMOSO RIO GRANDE DE LAS AMAZONAS, e o que vemos é uma linguagem mediadora para a ação missionária da conquista. (...) O mundo que Carvajal transforma em escritura é um mundo que se abre em suas surpresas para pôr à prova a vocação missionária(...) uma limitação que não pode ultrapassar os dogmas da fé. (...), a paisagem não é senão paisagem par o destino maior do Cristianismo sobre a terra”. P. 73
“A gama de observações nesse relato é curiosamente ingênua. Há muitas noções que, se consideradas do ponto de vista da cultura europeia, foram dosadas por Carvajal, com forte acento medievalista. Ele era um homem mergulhado na mística salvacionista da Contrareforma e procurava sempre reforçar as próprias convicções, limitando o visível da região observada e ampliando os seus mistérios(...) é no texto de frei Gaspar que podemos acompanhar a trajetória de Orellana” p. 74
A DESCIDA PELO REINO DOS TUXAUA GUERREIROS
“Carvajal conta no terceiro dia de viagem, o bergantim abalroou um tronco flutuante e um rombo se abriu(...) estavam perto da margem, em águas rasas(...) onde o consertaram. Mas estavam sem nenhuma comida”
“ Em 1542(...) ouviram distante rumor de tambores(...) , eles encontraram a aldeia . Os índios mostraram suas armas e não pareciam amigáveis, mas os espanhóis atacaram com tanta ferocidade que a aldeia foi tomada em questão de minutos. Para a sorte de Orellana, havia muita comida e eles tiveram seu primeiro almoço decente em semanas.(...) usando uma língua que ele tinha aprendido com índios do rio coa, conseguiu que lhe indicassem o chefe. Quando este se apresentou, Orellana deu-lhe um abraço e presentes, conquistando sua confiança” ” P.74
“(...) era hora de voltar para Pizarro(...) o regresso não estava nos planos dos e mais espanhóis(...) argumentaram que a melhor opção seria seguir em frente, baixando o rio. De início Orellana resistiu, mas os homens começaram a deixar claro que estavam dispostos a tudo, até mesmo a trair seu comandante. (...) aceitou lidera-los na viagem rio abaixo e decidiu mandar construir um barco maior” p.74
“ A viagem prosseguiu, sempre com a ajuda dos índios, que lhes ofereciam alimentos. Orellana deu ordens para que os índios fossem tratados com amizade, e essa política estava dando bons resultados” p. 75
“ Quando finalmente entraram nas águas do grande rio, foram informados de que estavam no território do grande Aparia, um poderoso chefe tribal(...) os espanhóis foram, assim, guiados até o aldeamento do grande chefe, onde foram bem recebidos, puderam descansar e de onde partiram em 24 de abril de 1542”
“ No dia 3 de junho eles alcançaram a boca do rio Negro. Carvajal descreve o fenômeno do encontro das águas, com águas escuras do rio Negro correndo por entre o amarelo do grande rio.(...) O nome do rio Negro foi dado por Orellana” p. 75
“os espanhóis tomaram um pequeno povoado, quase só de mulheres, de onde começaram a recolher toda a comida que pudessem carregar. No final do dia, os homens da aldeia regressaram e deram com os espanhóis ocupando suas casas. (...) Orellana agiu como um típico colonizador espanhol, ordenando que a aldeia fosse incendiada e mandando enforcar os prisioneiros(...) após a missa de Corpus Cristi, deixaram para trás alguns índios na ponta da corda e as casas em chamas.” p.75
(...) Alguns dias depois(...) eles entraram no território da rainha Amurians, ou a “Grande Chefe”. Era uma área bastante habitada, com enorme população, mas bastante hostil. Na primeira tentativa dos espanhóis de desembarcarem para conseguir comida, mereceram um ataque tão feroz que tiveram que disputar cada centímetro de chão, até conseguir voltar aos barcos, onde uma esquadra da canoas já os cercava. Entre os feridos estava frei Gaspar de Carvajal, que recebeu uma flechada na coxa e , mais tarde, em outra escaramuça, uma flechada num dos olhos” P. 76.
“ (...) a presença de mulheres entre os guerreiros . Carvajal as descreve como mulheres de alta estatura, pele branca, cabelos longos amarrados em tranças, robustas e nuas, vestidas apenas com uma tanga.(...) Um índio(...) interrogado por Orellana, ele contou que as mulheres viviam no interior da selva e todo aquele território lhes pertencia. Suas aldeias eram feitas de pedra e somente mulheres podiam viver nelas. Quando desejavam homens, elas atacavam reinos vizinhos e capturavam os guerreiros. Se a criança nascida fosse mulher, era criada e ensinada nas artes da guerra (...) Se fosse homem ,a criança , quando não era morta, era entregue ao pai” ” P.76
“ A história narrada pelo índio é a mesma que seria contada para sir Walter Raleigh e repetida 200 anos depois ao cientista Charle Marie de la Condomine, bem como para Spruce , 300 anos mais tarde. Mulheres guerreira comandadas por uma matriarca é um mito comum aos povos do rio negro, médio Amazonas e Orenoco”. P. 76
“ Quando a aventura de Orellana se tornou conhecida, o grande rio nunca mais foi chamado de Mar Dulce. Agora era o rio das Amazonas. Carvajal(...) regressou ao Peru e viveu até os 80 anos, ocupando vários postos na hierarquia eclesiástica de Lima” ( p.78)
“ Orellana (..) seu primeiro ato(...) requerer ao rei o título de governador das terras que tinha descoberto (..) Nova Andalúzia. O título lhe foi outorgado, mas o rei não lhe forneceu recursos financeiros(...) Orellana não esmoreceu: emprestou dinheiro, empenhou tudo o que tinha e armou quatro navios, que os fiscais consideravam inadequados para a empreitada. (...) vislumbrando um futuro de miséria(...) partiu assim mesmo(...)
“Finalmente , Orellana atinge o arquipélago de Marajó e tenta avançar rio acima. A expedição contava com poucos sobreviventes, insuficientes par fundar uma colônia(...) doente, perde-se no labirinto de ilhas(...) Num dia qualquer do final e agosto, faminto e desesperado, ele morre. Seu corpo é enterrado numa das margens do rio Amazonas” ( p.79)
A REVELAÇÃO DA AMAZÔNIA
“ Como a narrativa de frei Gaspar de Carvajal vem provar, a revelação da Amazônia foi um verdadeiro impacto para os europeus. Uma verdadeira colisão cultural, racial, social, que, como em toda a América latina, provocou as mesmas contradições que se repetiram ao longo do caminho da empresa desbravadora” p.79
“ Em nenhum momento Carvajal esboça qualquer referência a respeito da supremacia cultural do índio na Amazônia. Para o cronista, somente um ponto era comum entre o índio e o branco: a violência com que atacavam ou se defendiam. Por isso , as sociedades indígenas deveriam ser erradicadas e os povos amazônicos destribalizados e postos a serviço da empresa colonial”. P.79
“ As crônicas dos primeiros viajantes são de escrupulosa sobriedade em relação aos sofrimento dos índios. ( ...) instala-se a incapacidade de reconhecer o índio em sua alteridade. Negaram ao índio o direito de ser índio (...), ficou sequestrada também a Amazônia” p 81
Os Alemães : primeiros colonos
“ Contrariando as crônicas da conquista da América, não foram espanhóis ou portugueses os primeiros europeus a tentar um modelo de colonização. Foram surpreendentemente, os alemães. Em 1528, o imperador Carlos V, da Espanha , outorgou aos comerciantes da cidade de Asburg , o direito de posse deu uma parte da Costa da Venezuela” p..81
“(...) Ambrósio de Alfinger que dois anos depois comandou uma expedição(...) extremamente cruel com os índios. (...) aprisionava os índios e os mantinha acorrentados pelo pescoço. – em série- (...) era muito comum mandar decapitar aqueles que ficavam cansados e doentes(...) durou um ano, e no final os índios se rebelaram e assassinaram” ( p.82).
“ Em 1536, George de Spires, sucessor de Alfinger , conduziu outra expedição (...) p.82
“ Em 1541(...) Philip Von Huten(...) conduzido pelas histórias contadas pelos índios sobre o fabuloso El Dorado . Ao voltar para o litoral da Venezuela, encontrou a povoação alemã ocupada por piratas espanhóis, e foi decapitado. No mesmo ano as autoridades espanholas retiraram dos alemães a concessão daquele território, encerrando , assim, a participação teutônica na conquista da Amazônia.” P.82
OUTRAS TENTATIVAS ESPANHOLAS
“Enquanto isso , os espanhóis estavam ativos em busca do El Dorado. Em 1566 foi a vez de JUAN ALVAREZ MALDONADO, o mais formidável cavaleiro do Peru, que desceu dos Andes com uma tropa bem provisionada. Mas , ao chegar à selva, irrompe uma rebelião que divide em duas a expedição(...) lutam entre si(...) e os sobreviventes facilmente capturados pelos índios e morto. Maldonado consegue sobreviver(...).
Pedro de Ursua, Guzman e Lope de Aguirre
“ A expedição mais famosa do período foi realizada em 1560 por Pedro de Ursua, Fernando de Guzman e o desvairado Lope de Aguirre”
“ (...) Tudo começou quando umapopulação inteira de índios do litoral brasileiro , provavelmente Tupinambá, chegou a Qutio, onde pediram asilo(...) fugindo das atrocidades dos portugueses(...) dos horrores no litoral atlântico. (...) contaram aos espanhóis que haviam encontrado muito ouro, especialmente na terra dos Omágua(...)”
“ Pedro de Ursua acredita nos relatos do índios e resolve organizar uma expedição(...)
Conforme consta nos registros de frei Gaspar de Carvajal, a expedição feita por Orellana em 1541 e 1542 pelo maior rio do mundo, ajudou a recriar a lenda das mulheres guerreiras, as amazonas da mitologia grega clássica. As icamiabas[1] eram índias que dominavam a região próxima ao rio Amazonas,[2] riquíssima em ouro. Quando Orellana[3] desceu o rio em busca de ouro, descendo os Andes (em 1541) o rio ainda era chamado de Rio Grande, Mar Dulce ou Rio da Canela, por causa das grandes árvores de canela que existiam ali. A belicosa vitória das icamiabas contra os invasores espanhóis foi tamanha que o fato foi narrado ao rei Carlos V, o qual, inspirado nas antigas guerreiras hititas[4] ou amazonas, batizou o rio de Amazonas. Amazonas (a, "sem" e mazôn, "centro") é o nome dado pelos gregos às mulheres guerreiras.[4]
Moisés,
Massaud . A Criação Literária . Poesia e Prosa. 17ª reimpr. da 1ª ed. de 1969..
– São Paulo: Cultrix, 2008.
IV-
Poesia e Prosa
“ Não é de hoje que
críticos e historiadores vêm procurando estabelecer distinção entre a poesia e prosa , ou ainda entre verso e a
prosa, sem contudo alcançara resultados
mais amplamente convincentes(...) tal situação se perdurará por muito tempo” p
60
“(...), diante das
obras de Camões ou de Balzac, ninguém
pergunta se um é poeta e o outro, prosador. Além dessa diferença saltar aos
olhos, visto ser empiricamente
observável por toda a gente, dir-se-ia que
o que vale é a obra em si, com a sua
“verdade” e seu núcleo de
interesse para o leitor e o crítico.Embora digna de exame, essa posição intelectual não condiz totalmente
com os fatos. Afirma-se que a
contemplação da obra de arte( e, de
certo modo o seu julgamento) prescinde da sua classificação, já que importa a
chamada “emoção estética”. E, se esta existe na obra ou é suscitada no leitor
ou espectador, dizem os defensores de uma atitude purista ou hedonista em
crítica de arte, é o quanto basta” p. 60
“ E a “emoção
estética”, que vem a ser?(...) , conclui-se
que o aficcionado da arte assume perante ela um comportamento passivo,
de quem apenas recebe permanece fora da
realidade intima do objeto que desencadeia a emoção. Mais ainda: a passividade
ante a obra de arte permite sentir prazer, mas não conhecê-la , como deve ser o
intuito último do espectador” p. 60
“ Na verdade, o
conteúdo emocional da obra de arte apenas se revela integralmente quando o
contemplador ou leitor der o salto para o estágio do conhecimento. Sem ele, a
emoção se desvanece porque superficial e momentânea, e porque é a
inteligência que fixa a emoção e nela
visualiza aquilo que a torna um meio de conhecer. Por fim, apenas alcançamos satisfatoriamente uma obra
literária quando sabemos como classificá-la, porquanto o conhecimento obtido ou
a obter no contato com ela varia conforme o seu, a sua espécie e a sua
forma(...) a poesia obedece a leis próprias, diferentes das da prosa, o romance
constitui um universo, de leis específicas, diversas das que regem a epopéia, e
assim por diante “ p. 61
“ A um tipo de
expressão literária, damos o nome d e verso, e o seu oposto, chamamos de prosa.
(...) Com isso, o mesmo
vocábulo,”prosa”, designa um tipo de forma e um tipo de conteúdo”(...) Assim,
Poesia e Prosa, de um lado, e verso e prosa , de outro(...) De qualquer modo,
diga-se ou escreva-se poesia ou Poesia, prosa ou Prosa, o problema reside na
distinção ente ambas, não entre o verso e a prosa” p.61.
“(...) Para Karl
Vosler, “a distinção entre poesia e prosa é algo exterior, isto é, formal, e
quem a toma externamente e, obedecendo livremente à impressão do seu ouvido ou
da sua vista, considera serem poesia formas de falar de aparência simétrica, e
de , prosa, as de aparência Assimétrica, certamente , não muito desencaminhado”
p.62.
(...) é sabido que o
conteúdo e a forma associam inextricavelmente, em especial quando atentamos
para a “forma interior”. Deste modo, a forma seria o conteúdo “
aparecendo”, e o conteúdo, a forma
“significando”( Wellek e Warren 1976). (...) quando Vosler preconiza a
diferenciação baseada na “forma interior”, também está dando ensejo a
admitir-se uma distinção que, em verdade, considera a poesia e a prosa dois
modos de ser do conteúdo literário(...) poesia se identifica com a emoção, ao
passo que “s virtude da prosa é ser ajuizadora; e é a virtude que a poesia não pode ter: se a tem , não é
poesia, mas prosa em verso. (...) Como se depreende, a distinção a pouco e
pouco deixa de fundamentar-se na aparência, nos aspectos formais, para
focalizar os aspectos intrínsecos, que conservam, bem entendido, o liame com os
primeiros. P.62-63
“ Por que é
“evidentemente poesia”? Em razão dos versos? Sempre que deparamos com versos,
ou lago que o valha, temos poesia? E esta, jamais se exprime de outra forma? E
o poema em prosa? E a prosa poética?
P.63
“ (...) , a confusão se
agrava se agrava ao postular que “ o
verso não é apenas diferente da prosa. Opõe-se a ele; não é não prosa, mas
antiprosa”. Adiante, estatui que o “ verso é cíclico, a prosa é linear”: como
se nota, Cohen permanece, coerentemente, em pleno terreno da objetividade
formal, gráfica, empírica, visual p.64
“Cohen proclama: “a
mensagem poética é a um só tempo, verso e prosa”, pois “uma parte dos seus
componentes assegura o retorno,
enquanto a outra assegura a linearidade
normal do discurso” (...) O poema
resiste à desconstrução em prosa, enquanto a notícia de jornal continuará a ser
prosa, qualquer que seja o artifício de torna-la poesia (...) p.64
“ Diante disso, cabe inferir que o processo
mais adequado de estabelecer as
diferenças entre a poesia e a prosa( não entre o verso e a prosa ) implica
serem também de ordem formal, mas que devemos suspeitar do que revelem à
primeira vista(...) . Em virtude de razões histórico-culturais, cujo exame
escapa o âmbito deste livro, a poesia remonta aos inícios da cultura ocidental,
e presidiu ao nascimento de todas as literatura(Lanson 1909: 10, apud Martins
1953). E não só inaugurou as literaturas ocidentais como nelas predominou
durante séculos, “ A prosa só se desenvolveu mais tarde( Murry 1951:56),
1951p. 64-65
(...) Com a hegemonia da prosa literária, os
papéis se inverteram: a prosa passou a ser encarada como capaz de expressar
arte, no mesmo nível da poesia. Em contraposição, o verso sem poesia
praticamente, já podia lançar mão da prosa literária. O anterior estado das
coisas somente renasce com a poesia
panfletária ou participante, com o
parnasianismo ortodoxo, e em certas alas
da modernidade preocupadas com a despoetização do poema, ou com uma liberdade
formal que não consegue que não consegue disfarçar o caráter de prosa disposta
em versos assimétricos(...) p.65
2.
Poesia
“ A palavra “
poesia” vem do grego poesis, de poien,
criar, no sentido de imaginar. “ os latinos chamavam a poesia de oratio vincta:
linguagem travada, ligada por regras de versificação, em oposição à oratio
prorsa: linguagem direta e livre( No geral, baseavam a distinção entre a poesia
e a prosa no fato de a primeira exprimir-se em versos , e a segunda, não” p. 66
“Importa assinalar que
Aristóteles já tinha a nítida consciência das características identificadoras
que tornavam a poesia diversa da prosa e da historiografia. Para o filósofo
grego não é ofício do poeta narrar o que realmente acontece; é , sim o de representar o que poderia
acontecer, quer dizer: oque é possível, verossímel necessariamente.(...) Por
isso a poesia é mais filosófica e mais elevada do que a história, pois refere
aquela principalmente o universal, e esta, o particular. Referir –se ao
universal, quero eu dizer: atribuir a um indivíduo de determinada natureza,
pensamentos e e ações que, por liame ( vínculo) de necessidade e verossimilhança
, convém a tal natureza; e ao universal,
assim estendido, visa à verossimilhança, convém a tal natureza; e ao universal,
assim entendido, visa à poesia quando põe nomes aos seus personagens p.66.
“(..)Os estudiosos
germânicos, com a sua conhecida inclinação para os assuntos de teoria
filosófica e estética, chegaram a uma forma sedutora de resolver a questão: a
poesia seria o núcleo residual e essencial de toda manifestação artística.
Desse modo, a poesia estaria presente na música, na pintura, na escultura, na
arquitetura , na coreografia, como se fosse o seu objeto último “(...0 p.67
(...) A verdade é que
não se trata de um problema relacionado com a forma, mas sim com o conteúdo que
as palavras guardam e com a posição assumida por quem pretende julgá-lo. Para
tanto, impõe-se lançar mão de uma reflexão preliminar: a poesia, entendida como
forma ou conteúdo, pertence ao mundo real tanto quanto os objetos e pessoas que
nos cercam, assim como os sonhos e os planos de viagem que nunca realizam”.(...)
“ É, pois , o real do
espírito, contraposto ao real da matéria, o real físico, cuja percepção se faz
pelos sentidos: o todo , formado da conjunção dessas modalidades de real e mais
a pessoa que pensa e sente, pode ser dividido em dois planos ou entidades fundamentais: o “eu” e o mundo
exterior. A totalidade dos seres e das coisas pode ser traduzida por meio da
seguinte equação: “eu” + mundo exterior. Quanto ao mundo exterior, podemos ,
mais precisamente, subsituí-lo por uma expressão, o “não eu”, o que transforma
o sistema em: o todo pode ser entendido
como a soma do “eu” e do “não eu”. E se
dermos a cada um dos membros da igualdade um sinônimo, “sujeito” e “objeto”
teremos que o todo corresponde a sujeito
mais objeto” p. 68
(...) a poesia tem por objeto
o “eu” ( enquanto a prosa o “não eu”), de tal modo que o “eu” , que confere o
ângulo do qual o artista “vê” o mundo, se volta para si próprio. “ Para o poeta
, somente há um centro: ele{...} ele apenas está atento aos liames que o
relacionam com o mundo, e faz subjetividade o objeto essencial de suas
investigações{...} a atitude do poeta é, pois,
uma atitude de debruçamento sobre si
próprio, uma atitude contemplativa não sem analogia com a do filósofo.
Mas o filósofo contempla ideias gerais, absolutas, infinitas(...) O “eu” , após
descrever um percurso circular, retorna ao ponto de partida, o próprio “eu”. E
o mundo exterior? O “exterior como tal”, acrescenta Hegel na mesma passagem, “o
sol, as montanhas, a floresta, as paisagens(...) não interessam á poesia, visto
que ela tem “interesses espirituais”. P 68
(...) os elementos que
compõem o mundo exterior, o plano do “não eu”, somente interessam e aparecem no
poema quando interiorizados, ou como áreas específicas e que o “eu” do poeta se
projeta, o que significa, afinal de contas, estar o “eu” à procura da própria
imagem, refletida ou projetada na superfície do mundo físico. Tudo se passa
como se o poeta apenas estivesse concentrado nos seres e coisas que constituem
a emanação do próprio “eu”. Por outros termos: a carga de “não eu” que pode
aparecer na poesia sofre um processo transformador, provocado pelas vivências
do poeta, de forma a operar-se íntima fusão entre o “eu” e o “não eu”. O mundo
subjetivo e o objetivo aderem-se, (...)
, formando uma só entidade(...) “(...)
Diante disso, podemos concluir que a poesia é aexpressão do “eu” . Como a
palavra é o signo literário por excelência, infere-se que a poesia é a
expressão do “eu” pela palavra”. P. 69
(...) dois verbos
servem para exprimir a situação que o poeta assume em face do mundo: ser e ver.
Na perspectiva do primeiro , o “eu “ poético exerce ao mesmo tempo dupla
função, a de espectador e a de ator, isto é, a de sujeito e a de objeto. Assim
sendo, a palavra consistiria num instrumento por meio do qual o sujeito procura
comunicar-se como objeto. Personagem única do drama que se representa no seu
ego, o poeta é também o seu único espectador (...) Na perspectiva do ver , o
“eu” mira uma ambiente anti-histórico, antidescritivo e antinarrativo(...) o eu
volta-se para si próprio: (...) ,
visiona imagens em que se espelham os seres e as coisas do mundo exterior, não
eles próprios; vê umas e outros convertidos em imagens, e estas é que, ao fim de contas, montam o espetáculo
em que o “eu” domina. P. 69
(...) À semelhança dos
estatos freudianos ( consciências, subconsciência, inconsciência), podem-se
considerar três níveis ou categorias no
“mundo interior” , entendido como equivalente do “eu”: o “eu social”(...) o “eu
odioso” (...) o “eu profundo”, camada íntima do “eu” , em que depositam as
vivências, transfiguradas pelos outros “eus” e pela imaginação, recalques,
complexos, etc., reino de caos, anarquia, alogicidade, fruto de sensações
vagas, difusas, ainda não verbalizadas, infenso à sondagem alheia, salvo na
medida em que abriga , de acordo com Jung, os arquétipos, analogias profundas
entre o inconsciente individual e o coletivo” p.69
(...) o trânsito não se
faz impunemente, pois, da mesma forma que, de certo modo, o “eu profundo”
resulta de impressões estocadas pelo demais “eus” nos reservatórios secretos, o
“eu profundo, ao vir á tona, sofre pressão de outras esferas mentais : as
pulsões recônditas deforma-se nessa passagem, uma vez que, como tais, em estado
de “pureza”, não poderiam chegar à superfície, ainda que o poeta o tentasse,
guiado por qualquer justificativa consciente(...) p. 70
“(...) a expressão
implica mudança no objeto expresso: tão somente permaneceria “puro” aquilo que
não procurássemos exprimir, ou que não tivéssemos como exprimir- a vivência
(poética) intocada latente, no âmago do “eu profundo”. Sempre que o poeta se
decide, ocorre deformação. Batalha sem vencedor nem vencido, as duas entidades
em luta, a vivência e a palavra, simplesmente existem na relação mútua que
estabelecem: vivência inarticulada é hipótese ou abstração de vaga percepção
intrassensorial, pois que a palavra define o seu contorno quando nomeia a
vivência”.p.70
(...) o poeta
entrega-se ao combate verbal como a própria razão de ser. Do contrário , a
saturação interna poderia comprometê-lo como esteta e ser humano(...)(...) como
se manifesta? (...) Vimos que a expressão poética se realiza por meio de
palavras, mas é de supor que nem todas sirvam ao propósito expressivo: não
significa que haja palavras poéticas e palavras não poéticas, mas que a
detecção das vivências implica palavras “exatas”, , aquelas que, não traindo a
emoção a ponto de dissipá-la, consigam sugeri-la tanto quanto possível. (...)
complexa malha de sentidos e intenções: expresso e expressão se equivalem,
ambos são realidades proteiformes - a
polivalência da metáfora reproduz a polivalência interior. (...) numa equação
que será objeto de exame circunstanciado no capítulo destinado à teoria da
poesia. P.71
(...) a linguagem da
poesia é essencialmente conotativa. (...) a apalavra poética pode reduzir-se
aos seus componentes primários ( os sons) , às suas relações sinestésicas ( a
cor do perfume, a musicalidade, a forma), ou a significados irracionais,
mágicas, (...) ou pode , concomitantemente ou não com essas reduções, ganhar
“precisão”, próxima da linguAGem filosófica.” P.71
(...) o ritmo(...) não
como repetição de um movimento(...), mas como expressão daquilo que no mundo interior do poeta é
permanente movimento em espiral, como uma sequência de sons, de sentidos e de
sentimentos, uma sequência ao mesmo tempo musical, semântica e emotiva(
Richards 1963: 217). (...) o vago mundo interior possui ritmo próprio, nascido
de movimentos desencontrados , mas que se agrupam, constituindo uma unidade perfeita,
obediente a uma sucessividade em
permanente coesão. O mundo da alma, ou da psique, do poeta repetiria o ritmo
cósmico, feito do jogo dos contrários, numa harmonia só perceptível em síntese,
jamais ponto a ponto. E é como sínteses, ou totalidade, que se deve julgar o
que resulta do esforço de exprimir o ritmo interior.
(...) o poema não é a sua apresentação formal, gráfica, é,
sim, a soma de significantes e significados mediante os quais o poeta procura
comunicar-se
(...)a obra toda de um
poeta é uma macrometáfora ou uma
polimetáfora , formada do conjunto das
polimetáforas particulares, isto é, dos poemas p. 72
“(...): qualquer
metáfora tem o privilégio de comunicar poesia? Não, pelo simples fato de não satisfazer àquela exigência
básica: ser expressão do “eu” do poeta(...),
ao contrário da metáfora poética, que, por ser polivalente, fala ao
mesmo tempo à inteligência e à sensibilidade. (...) p.72.73
(...): que relação
existe entre poema e poesia? (...) onde está a poesia? (...) E o leitor? (...)P.
73
(...) , o poema
comunica ao leitor a poesia que existiu no poeta. (...) conteúdo que no poeta
despareceu ou se modificou precisamente para que o poema fosse criado(...)
escreveu o poema para “ver” o que estava
sentindo. (...) T. S. Eliot resume: o pensamento de Gottfried Benn expresso em
Probleme der Lyrik (.1954..), (...) não
consegue identificar este embrião até que o tenha transformado num arranjo de
palavras certas numa ordem correta” p.73
(...) o leitor reproduz
o estado lírico do poeta, enriquecido das sugestões do poema, resultantes
da fixação verbal de sensações e sentimentos que ao próprio criador do
poema eram insuspeitados. P.74
(...)
poesia está em nós, não no poeta, nem no poema. Este, apenas constitui
uma série de sinais que induzem à poesia, ou a deflagram (...)E quando o poeta
termina a sua existência, com ele, se extingue, para sempre, o impulso criador
dos poemas.” P.74
“Quanto à poesia que
ficou registrada nos poemas, surge-nos por intermédio da leitura, o que
equivale a dizer que damos vida, cada qual a seu modo e quantas vezes quiser, à
poesia que os poemas deflagram. Significa que a poesia está em nós e não no
poema, o que nos torna poetas embora não criadores do poema. A função de quem
elaborou o texto seria de mero agente
entre uma vontade superior( inspiração, diriam os românticos) e o poema. A
poesia, nós é que a arquitetamos e a sentimos em obediência ao nosso ser mais
íntimo, quando temos capacidade para tanto. Não o poeta, que não mais sente o que sentiu
ao redigir o poema, mas a poesia
que pode estar nele como leitor. (...) p. 74
Por isso é ingênuo
afirmar que, visto não sabemos se o poeta pensou no que está dizendo, estamos
impedidos de saber o que esta “atrás” ou “dentro” do poema. Na verdade, o poeta
não teria praticado um ato da consciência, menos ainda da razão, ao enfileirar
as palavras que constituem o poema, pelo
simples motivo de que não se pede ao poeta que pense, mas que sinta, e o que ele sente, está no poema como
virtualidade; se o leitor sente que o poema lhe faculta ao cesso a determinada
ideia ou ”situação”, é porque o poema a contém, ou emprega o sinal que conduz
até ela. Pouco importa que as palavras do poeta não fossem de imediata
compreensão ou ele não tivesse
consciência disso. Ao ler as impressões ou a crítica de um leitor agudo, o
poeta pode dar-se conta de haver dito mais do que supunha ter feito. Em
contrário, trata-se de mau poeta, ou de não poeta, ou de crítico medíocre: no
primeiro caso, as palavras do poema dizem tudo e uma única coisa, deixando de
realizar-se como linguagem conotativa ou metafórica; no segundo, o crítico ,
por não enxergar ou não captar as latências
sensoriais de cada metáfora e mensagem cifrada que elas contêm. P. 74
(...) se o poema é uma
tentativa expressiva, deduz-se que nem todo poema carrega poesia, e que nem
toda poesia se manifesta como poema” p. 75
Prosa
Na poesia, como
acabamos de ver, o sujeito, o “eu”, volta-se para dentro de si, fazendo-se ao
mesmo tempo espetáculo e espectador. A prosa inverte essa equação: é a
expressão do “não eu”, do objeto. Por outras palavras: o sujeito que pensa e
sente está agora dirigido para fora de si próprio, buscando seus núcleos de
interesse na realidade exterior, que assim passa a gozar de autonomia em
relação ao sujeito(...), a base comum , para a poesia e prosa, permanece
subjetiva, pois o !eu” é que vê a realidade; a visão do mundo é ainda
egocentrada. P.77
(...); o espetáculo
passa a ser o que está fora do “eu”, no plano físico, e os motivos de interesse
deslocam-se do “eu” para o “não eu”, formado dos demais “eus” e da natureza em
sua diversidade ( o mundo animal, o mineral, o vegetal). Assim, os motivos
exteriores, que antes participavam apenas com a sua carga subjetiva ou como
projeção d, ou no, “eu”, aparecem como os pontos para onde converge o olhar do
escritor. P.77.78
A poesia radica numa
mimese em que o “eu” se curva para dentro de si, no encalço da imagem do mundo
que existe em sua mente e em sua fantasia. A prosa segue percurso diverso, ou
seja, a mimese que localiza o seu objeto na realidade concreta do mundo. Se
aqui procede falar numa visão ou mimese exterior, ali é cabível admitir uma
visão ou mimese interior. P.78
A metáfora permanece
como o meio de expressão mais adequado à cosmovisão do escritor. Todavia,
trata-se de uma metáfora de efeito retardado, uma vez que a sua polivalência
somente se manifesta quando a leitura atinge o epílogo do texto narrativo.
Encarada isoladamente, ou ao longo do fluxo de leitura, parece ostentar
univalência, que se origina do fato de a metáfora usada no circuito da prosa
decorrer da observação do mundo subjetivo, cujos componentes não admitiriam
expressões ambíguas, sob pena de perder o seu caráter “preciso”.Se ocorresse a
dubiedade, a metáfora se tornaria polivalente e, por consequência, tenderia a
comunicar poesia em vez de prosa. Quando destacada do contexto, a metáfora
prosística designaria o objeto sem deformá-lo, pois “representação da prosa
está submetida às leis da precisão e da inteligibilidade” ( Hegel 1944: t.III,
2ª parte, 56). P.78
E a imaginação , como
exerce o seu papel? À primeira vista, a função do prosador consiste em apenas
juntar, harmonicamente, os dados que a realidade lhe vai oferecendo. Em
verdade, porém, a imaginação colabora na seleção e transfiguração dos dados e
no modo como os substitui, ao longo da obra, por outros equivalentes, ou
inventa os que estão em falta.
(...), a imaginação
engendra a fábula e estrutura o universo
ficcional. Por seu turno, a linguagem adquire lógica específica, que a
distância da musica e a aproxima da linguagem filosófica. Quanto ao ritmo,
torna-se permeável, não às sequências de massas sonoro-emotivo-semãnticas, mas
à ordem lógica do pensamento, e composto de unidades sintáticas racionalmente
encadeadas. E o verso sem poesia, isto é, a prosa em verso submete-se aos
padrões sintáticos , o que permite inferir que a cadência ganha páreo com o
ritmo quando o verso carecer de poesia, isto é, for prosístico p.79
4.
poesia , prosa e cosmovisão.
(...) , lembre-se que
procuramos estabelecer a diferença entre poesia e prosa com base nos aspectos
intrínsecos, porquanto seria fácil e enganador fazê-lo com base nos pormenores
extrínsecos. E verificamos que existe um modo de ser e de ver a realidade que é
típico da poesia e outro, da prosa. O primeiro caracteriza-se pelo fato de o
“eu” , matriz das artes, atuar como espetáculo e espectador ao mesmo tempo. Daí
o comportamento poético ser essencialmente anti-histórico, anidescritivo e
antinarrativo. Em contrapartida, a prosa implica um movimento do “eu” para fora
de si, direção do “não eu”, do mundo concreto, físico, de que deriva o seu
caráter histórico, descritivo e narrativo
p.82
(...) a poesia e a
prosa não raro andam juntas na mesma obra. É que, além de não serem estanques,
pois nem sempre sabemos onde para o “eu” a fim de começar o “não eu”, e
vice-versa, ambos se nutrem do mesmo lastro subjetivista e transfigurador da
realidade. Na verdade , “poesia e prosa se atraem reciprocamente, de tal
maneira que, embora às vezes se afastem uma
da outra, canalizando suas águas separadamente como dois braços de um rio, logo
voltam sempre a fortalecer-se mutuamente em novas confluências e novos enlaces.
O poeta puro, o só poeta, em cujo sangue falta o ferro filosófico e prosaico,
fica doente, languidesce e cai no lirismo, como Holderlin ou Morike ou Verlaine
ou Pascoli; e os científicos puros secam e se achatam num intelectualismo
desespiritualizado, como ocorreu a tantos materialistas, naturalistas e
positivistas exatos” ( Vossler 1947: 252-252)
p.83
O
“eu” poético
Tendo em vista orientar
a nossa pesquisa, julgamos conveniente reduzi-los a umas poucas
interrogações.Qual a voz que fala no poema? Qual a identidade do “eu” que se
pronuncia por intermédio das palavras impressas no texto poético? Do autor? Do
autor-civil? Do autor-poeta? Não sendo nenhum desses, de quem será? Qual a
relação entre essa voz claramente audível e a voz do narrador, apta a empregar
não poucos disfarce e modulações? P.109
O processo criador na
prosa narrativa inicia-se quando o ficcionista se dispõe a transportar para a folha
em branco os conteúdos da sua
imaginação” p.109
O ficcionista tem
consciência de proceder como alguém cuja voz deve calar para fazer-se ouvir, mas
o compromisso torna-se tácito desde o instante em que aceita transfundir em
palavras a matéria ficcional que elaborou no silêncio da memória e da
imaginação. P. 110
O narrador cria outros seres que exercem , por seu turno, o
direito de voz. P.110
(...) podemos inferir
que, assim como o poeta se distingue do cidadão, a voz do poema equivale à voz
do poeta. É dado que a voz do poeta é, pelo menos, um “eu contíguo do “eu
social!, podemos supor que a voz do poema seja também um “eu”, agora isolado,
livre de qualquer sujeição à origem, incluindo o “eu do poeta”. Esse “eu” do
poema, também chamado “eu lírico”, “eu poetico”, “eu fictício” ( Welleck e
Warren (1976: passim) p112
O “eu do poeta” se vale
do poema para ver-se como o “outro” ( o “eu lírico) que adota, no poema, a
posição qu ele, “eu do poeta”, ostentaria se pudesse – a de “eu lírico”, pois a
sua corporeidade pertence antes ao “eu poético” que ao “eu do poeta”. Este, por
sua vez realiza-se como tal no gesto de projetar-se no poema; quando o texto
adquire forma, o “eu” simétrico passa a chefiar; a concretude do texto
subordina-se ao “eu” vicário: a sua latência , a sua matéria formativa, porém,
deve-se ao “eu do poeta”: este secreta a linfa que o outro converte em poema.
Não obstante, ambos existem em função da mesma tarefa: erigir o poema.
Construindo este , o “eu do poeta” começa a ver no texto um objeto quase tão
estranho quanto os poemas alheios, coma diferença de que somente aquele texto
lhe permite a suprema quimera: ver-se. Num autêntico jogo de espelhos, o “eu do
poeta” contempla-se num texto que, apesar de edificado com a sua matéria
orgânica, parece fruto de um demiurgo cuja exclusiva missão fosse revelar o “eu
do poeta” a si próprio. P.113
Se entendermos por
confissão e sinceridade o ato de o “eu do poeta” exprimir-se, todo poema será
confessional( como de resto, qualquer obra de arte) p.113
Em suma: fictícia pode
ser a “vivência”, e real, a voz. Quer-me parecer quea voz é real como sujeito de enunciação, um
“eu” empiricamente detectável, a manifestar-se por meio da expressão poética, e
real também por apresentar as características do “eu” como o entende a
psicologia. P.113
A voz seria fictícia
naquilo em que ostenta qualidades de uma pessoa vivente, sem ser vivente, ou em
que pertence ao mundo imaginário, inventado, suposto: não só a vivência
participará do plano da invenção, mas o próprio “eu” que a experimente.
A voz é real em relação
ao poema no qual se expressa e no qual se aloja, não em relação a quem produziu
o texto; é fictícia em relação ao poeta, pois que a criou de sua imaginação,
sem ter em mira a “verdade” documental ou a confissão psicanalística. É certo
que o paciente, no diálogo com o analista, revela a sua imaginação, sobreposta
aos dados da realidade, mas não se trata da mesma imaginação veiculada no
poema: aquela é patológica , esta, não é. O poeta não é doente por ter
imaginação criadora; quando muito é enfermo o homem-civil que nele coexiste,
por carregar em sai comodidade de uma imaginação
criadora. Se um símile fosse permitido, diríamos que, aqui, a imaginação gera
frutos como a ostra segrega a pérola; ali,
a imaginação se distancia da realidade, condenada que é enferrujar; uma
cria e enriquece o mundo; a outra é flor parasitária. P.114
Dependendo do ângulo a
única pessoa verbal do poema é o “ele”, ou seja, um “eu” tornado objeto de um
“eu” sujeito: o “eu lírico” funciona como objeto e, o “eu do poeta”, sujeito.
Entendamos que tal relação somente pode estabelecer-se antes da criação do
poema; surgido este, o “ele” se converte em “eu”, “eu” no/para o poema, embora
“ele” para o poeta que o criou. Não podendo comunicar-se como tal , o “eu”
sujeito (do poeta) desdobra-se num “ele” ( ou “eu” objeto, do poema), espécie
de alter ego capaz de exprimir as intenções do “eu”sujeito. Este ao dividir-se
dá origem ao “ele”, ou terceira pessoa, a exemplo das situações em que fazemos
uso de formas pronominais como “a gente”, on, one , man. Deste prisma o próprio
“tu” ou “vós” ganha função que remete para a terceira pessoa, localizada no
interlocutor ( do poema: a a bem amada, o próximo, a pátria, etc.) ,
precisamente por ser o desdobramento do “eu” na etapa entre o “eu” sujeito e o
“eu” objeto. P.114. 115
(...)No poema lírico, a
despeito de parecer que o “eu” é o do poeta, na verdade é o instrumento que
este manuseia para se converter em realidade palpável: exclusivo meio de
comunicação que é, não concede vaza a nenhum outro, e se este ocorrer, já se
tratará de poeta( mas, por exemplo), do “eu” civil), ou o resultado não merecerá
o apelativo de poesia. Mais uma vez, ilustrar a situação na qual o “eu” do
poema não é o “ele” em que, no momento da criação, o “eu” do poeta se
transforma. p. 115
Em suma: o poeta lírico
reduz a um mínimo a distância entre o seu ego e o “eu do poema”, mínimo
compatível com o requisito primordial para que o texto permaneça esteticamente
válido: a imaginação, o fingimento. O outro extremo da escala em que se movem o
“eu objeto e o “ele” é ocupado pela poesia épica, em que o “eu do poema” parece
desgarrado do “eu do poeta”, a ponto de metamorfosear-se em um “nós imenso, no qual se reflete todo um
povo ou mesmo toda a espécie humana, e não apenas cada leitor per se. p..115
Até aqui , temos
enfrentado o problema do “eu poético” no terreno da expressão. Impõe-se, agora,
situá-lo no plano da comunicação. T.S Eliot distingue , no ensaio anteriormente
referido (1961:96 e SS.), três vozes em poesia: primeira, “a do poeta falando a
si próprio- ou a ninguém”, segunda, “a do poeta que se dirige a uma audiência,seja
grande ou pequena”, terceira, “a do poeta
quando intenta criar uma personagem dramática exprimindo-se em verso”.
No primeiro caso, teríamos a poesia lírica, pois “que o poema expressa
diretamente os pensamentos sentimentos
do poeta”; no segundo, a poesia épica; e
no terceiro , o teatro. Apesar de brilhante e sugestiva, a correlação entre as
vozes e as duas espécies poéticas e o teatro não pode passa em julgado: o texto
dramático merece ficar à parte, uma vez que , além de ocasionalmente poético, constitui
manifestação híbrida. P.115.116
(...), a voz que fala
no poema (lírico ou épico) pertence ao “eu” de que vimos tratando, com as
gradações assinaladas, voz essa que resulta do ato praticado pór outro “eu”, o
do poeta, no momento de exprimir-se. Duas fases percorrem o “eu do poeta”/ “eu
do poema” nesse circuito expressivo: primeira, o “eu”escreve o poema para si,
segunda, o “eu” escreve o poema para os outros. Inicialmente, o “eu” luta por
transcrever no papel o produto da sua lenta maturação imaginária: para “ver” o
que lhe habita a memória, enfrenta o corpo a corpo com o texto, certo de que
somente ali, no mapa que o poema desenha, é possível “ver-se”. O seu impulso
primordial é manifestar-se. p.116
O poeta atende, por
conseguinte, ao comando da sua sensibilidade e da sua inteligência, seja ele
lírico ou épico: a obra arquitetada satisfaz às necessidades do poeta (lírico
ou épico), encarnadas no “demônio” que lhe fustiga a imaginação. Vencida a fase
da expressão, principia a da comunicação, não para uma audiência real( por
exemplo, no teatro ou nas cortes de amor provençais), mas para um lado virtual,
tão solitário quanto o poeta em face do poema afinal desabrochado. Conquanto
implícita na fase anterior, a comunicação se processa automaticamente:
pressupõe o texto, mas aponta para o seu destinatário, não mais para o seu
criador. De certo modo, porém, este é o primeiro interlocutor da voz que no
poema se propaga.
(...) : digamos que o
código verbal (do poema) se insere no código( da língua). Ao compor o texto, o
poeta busca antes de tudo exprimir-se de modo inteligível. E quando, concluída a batalha da criação, o poeta lê o
texto a fim de verificar se atingiu o seu objetivo, já funciona como leitor , e
ainda se preocupa com saber se alcançou a expressão exata dos conteúdos de sua
fantasia. p.117
(...), expressão e
comunicação se superpõem, mas o poeta preocupa-se mais com haver logrado a
expressão desejada do que com o leitor: interessa-lhe saber que alcançou
exprimir-se, e tal preocupação é consciente. A comunicação ainda constitui uma
relação latente, implícita, e que pode não chegar ao plano da consciência senão
mais tarde, quando, pelo distanciamento emotivo e temporal, o poeta se converte
num leitor de seus poemas, semelhante ao “alguém” ao qual se dirige. p.117
Portanto, quer no caso
da primeira voz, quer na segunda voz, referidas por T.S Eliot, o processo
criador de poesia transita por duas fases: a primeira, da expressão, em que o
poeta procura tão somente verter em palavras o “sentimento do mundo” que o
inunda; a segunda, da comunicação, em que o texto é oferecido à fruição do
leitor ( que pode ser o próprio poeta).
p.117
O percurso em dois
tempos descrito pela criação poética equivale a duas catarses (ou dois momentos
de uma catarse única): primeira, a do poeta, que se purga no ato de escrever, e
segundo, a do leitor, que se purifica no ato de ler. Aristóteles referiu-se
apenas à segunda porque ainda ia longe o tempo em que Sigmund Freud
revolucionaria o conhecimento da mente humana com a sua teoria do ego, id e
superego. Na verdade, em termos psicanalíticos, o discurso poético resulta de uma purgação do escritor, uma vez que este
projeta no texto os seus “demônios” ao vazar em palavras o conteúdo de sua
imaginação, o criador de arte livra-se
do “peso” incômodo que o perturba e adquire a serenidade que sucede a
toda verbalização dos subterrâneos psíquicos. “Desabafo”, dir-se-ia em termos
corriqueiros, ou transferência simbólica de uma inquietante plenitude emotiva.
À catarse do poeta corresponde um movimento análogo na mente do leitor, que
purga os maus humores ( soterrados pelas leis da conveniência) no ato de
presenciar, entre piedoso e aterrorizado, a tragédia ( ou o drama) que se
desenrola à sua frente. P. 118
Em síntese: o “eu
poético” define-se como um “eu” que se autoexpressa para se conhecer e para se
comunicar ao leitor. Que a noção de “beleza”, ou da criação de objeto
suscetível de provocar a chamada “emoção estética”, subjaz ao processo, é
desnecessário enfatizá-lo. O nosso intuito resumiu-se em tênar compreender o
fenômeno poético no âmbito da voz que fala no poema, que fala para exprimir-se
e comunicar-se; que fala em seu próprio nome, embora deseje ser universalmente
ouvida e, quiça, espelhar o sentimento vago e não raro desconfortável que
transpassa o leitor de poesia. P.119
Emoção
e pensamento
Assinale-se, por fim, que
a tensão pode crescer em qualquer dos extremos: tensão da emoção e tensão do pensamento. P.141
Dessa dupla zona de
tensão pode-se inferir uma classificação dos poetas dependendo da energia posta
num dos polos, os poetas se distribuíram em poetas da emoção, ou poetas
emocionais, e poetas do pensamento. Suzane Bernard e vislumbra também dois
tipos de poeta, o musical e o pictórico, segundo a tônica incida no aspecto
sonoro ou no imagético da dicção poética ( 1959: 453), mas trata-se a rigor, de
duas modalidade do mesmo tipo de poeta, o emocional. E como este se encontra naqueles aspectos que chamam
a atenção da estudiosa francesa, poderia receber uma denominação ainda mais
precisa: poeta esteta. Virado para a realidade mais por meio da sensibilidade,
da emoção, que do pensamento, dela nos oferece imagens plásticas ou musicais,
metáforas de cor ou som, em que a beleza parece derivar apenas dos ingredientes
visuais ou auditivos.p.141
O poeta esteta seria,essencialmente
o lírico, e o poeta filósofo, o épico. p.
141
O
lírico
O poeta
lírico está centrado no próprio “eu”: “o conteúdo da poesia lírica” é “a
maneira como a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias, admirações, dores e
sensações, toma consciência de si própria no âmago deste conteúdo p.191
Se diria que a poesia
lírica opera coma as vivências à beira do consciente, não fosse o fato de as
barreiras que dificultam o acesso a tal estrato psicológico nem sempre dependerem das vivências em si, mas do poeta
que as experimenta. Para alguns poetas, ela afluem sem dificuldade à tona e
suscitam o poema para outros, o trabalho de sondagem leva mais tempo.
Obviamente há vivências mais complexas que outras nesse plano mental. De todo
modo, o poeta lírico trabalha com sentimentos e emoções quase à flor da pele,
em razão do seu peculiar egocentrismo. P.194
Dessas circunstâncias
resulta uma manifestação estética- a poesia lírica- não raro de curto alcance fugaz
duração: o poeta pode sentir que suas inquietações representam as da sua
família, assim como as do seu povo, partido, clube, etc. , mas não pode deixar
de senti-las como indivíduo.
Compreende-se por ser
poeta lírico, ou poeta emocional, significa estar no primeiro estágio do
processo estético, e que o poeta nele situado acaba sendo, as mais das vezes,
de menor categoria quando cotejado com os de padrão épico. p.195
Restaria acrescentar
uma reflexão em torno do tempo verbal empregado pela poesia lírica; como a mais
simples experiência pode evidenciar, predomina o presente, ainda quando o tempo
referido seja o passado ou mesmo o futuro.
É que, ao debruçar-se
sobre o seu mundo interior, o lírico procede como quem se entregasse às
lembranças (...) , ou seja, para ele, o passado e o futuro se tornam presente
graças ao dom de recordar. Mas recordar o quê? As mais das vezes, um único
sentimento: o amor (...) Compreende-se assim, que o poema lírico ostente no
geral curta dimensão, a ponto de o mesmo autor asseverar a “brevidade é a
característica essencial do lírico( idem 98).
P. 196
O
“eu” poético
Tendo em vista orientar
a nossa pesquisa, julgamos conveniente reduzi-los a umas poucas
interrogações.Qual a voz que fala no poema? Qual a identidade do “eu” que se
pronuncia por intermédio das palavras impressas no texto poético? Do autor? Do
autor-civil? Do autor-poeta? Não sendo nenhum desses, de quem será? Qual a
relação entre essa voz claramente audível e a voz do narrador, apta a empregar
não poucos disfarce e modulações? P.109
O processo criador na
prosa narrativa inicia-se quando o ficcionista se dispõe a transportar para
a folha em branco os conteúdos da sua imaginação” p.109
O ficcionista tem
consciência de proceder como alguém cuja voz deve calar para fazer-se ouvir, mas
o compromisso torna-se tácito desde o instante em que aceita transfundir em
palavras a matéria ficcional que elaborou no silêncio da memória e da
imaginação. P. 110
O narrador cria outros seres que exercem , por seu turno, o
direito de voz. P.110
(...) podemos inferir
que, assim como o poeta se distingue do cidadão, a voz do poema equivale à voz
do poeta. É dado que a voz do poeta é, pelo menos, um “eu contíguo do “eu
social!, podemos supor que a voz do poema seja também um “eu”, agora isolado,
livre de qualquer sujeição à origem, incluindo o “eu do poeta”. Esse “eu” do
poema, também chamado “eu lírico”, “eu poetico”, “eu fictício” ( Welleck e
Warren (1976: passim) p112
O “eu do poeta” se vale
do poema para ver-se como o “outro” ( o “eu lírico) que adota, no poema, a
posição qu ele, “eu do poeta”, ostentaria se pudesse – a de “eu lírico”, pois a
sua corporeidade pertence antes ao “eu poético” que ao “eu do poeta”. Este, por
sua vez realiza-se como tal no gesto de projetar-se no poema; quando o texto
adquire forma, o “eu” simétrico passa a chefiar; a concretude do texto
subordina-se ao “eu” vicário: a sua latência , a sua matéria formativa, porém,
deve-se ao “eu do poeta”: este secreta a linfa que o outro converte em poema.
Não obstante, ambos existem em função da mesma tarefa: erigir o poema.
Construindo este , o “eu do poeta” começa a ver no texto um objeto quase tão
estranho quanto os poemas alheios, coma diferença de que somente aquele texto lhe
permite a suprema quimera: ver-se. Num autêntico jogo de espelhos, o “eu do
poeta” contempla-se num texto que, apesar de edificado com a sua matéria
orgânica, parece fruto de um demiurgo cuja exclusiva missão fosse revelar o “eu
do poeta” a si próprio. P.113
Se entendermos por
confissão e sinceridade o ato de o “eu do poeta” exprimir-se, todo poema será
confessional( como de resto, qualquer obra de arte) p.113
Em suma: fictícia pode
ser a “vivência”, e real, a voz. Quer-me parecer quea voz é real como sujeito de enunciação, um
“eu” empiricamente detectável, a manifestar-se por meio da expressão poética, e
real também por apresentar as características do “eu” como o entende a
psicologia. P.113
A voz seria fictícia
naquilo em que ostenta qualidades de uma pessoa vivente, sem ser vivente, ou em
que pertence ao mundo imaginário, inventado, suposto: não só a vivência
participará do plano da invenção, mas o próprio “eu” que a experimente.
A voz é real em relação
ao poema no qual se expressa e no qual se aloja, não em relação a quem produziu
o texto; é fictícia em relação ao poeta, pois que a criou de sua imaginação,
sem ter em mira a “verdade” documental ou a confissão psicanalística. É certo
que o paciente, no diálogo com o analista, revela a sua imaginação, sobreposta
aos dados da realidade, mas não se trata da mesma imaginação veiculada no
poema: aquela é patológica , esta, não é. O poeta não é doente por ter
imaginação criadora; quando muito é enfermo o homem-civil que nele coexiste, por
carregar em sai comodidade de uma
imaginação criadora. Se um símile fosse permitido, diríamos que, aqui, a
imaginação gera frutos como a ostra segrega a pérola; ali, a imaginação se distancia da realidade,
condenada que é enferrujar; uma cria e enriquece o mundo; a outra é flor
parasitária. P.114
O
tempo
"Primeiro : não é
o tempo como história que nos importa focalizar (...)
Segundo: o tempo como
tema igualmente se colocará fora de nossas cogitações. O carpe diem, a
efemeridade da existência, a saudade do passado, as incertezas do futuro,
enfim, tudo quanto constitui, desde sempre, matéria de angústia ou meditação em
torno da passagem irreversível do tempo, transborda os limites da nossa
análise”. (...) o tempo(...) histórico,
psicológico, mítico. " E o tempo poético, onde se encontra? (...) a quarta
dimensão do tempo. p.120.
(...) ao dizer que o
tempo da poesia se localiza no texto não estamos afirmando que as outras três
dimensões se estruturam fora dele. A rigor, somente podem ser mensuradas (ou
pensadas) a partir de uma tábua de referência que constitui, por extensão de
sentido, um texto. Entretanto, o texto não os contém, mas os representa ou
simboliza; mede-os, suscita o pensamento que os concretiza, mas não os
compreende no seu espaço físico. O relógio contabiliza o tempo que se admite
fluir à sua revelia, enquanto a duração e o mito se realizam como dimensões
temporais num texto em que são referidos ou descritos. “p. 122.
“O tempo na poesia está
recluso no poema, como se o referente e o referido se entrelaçassem numa
unidade compacta: o tempo retornaria às suas nascentes sem chegar à foz, ou
esta e aquelas se mesclariam, num círculo vicioso ou num moto-contínuo, como se
o tempo devorador dos Antigos.- simbolizando em Cronos-, estivesse
simultaneamente a gerar outros seres da próprias entranhas. Fonte e
desaguadouro, num só impacto, o tempo da poesia é o tempo da palavra. Como
suspenso numa galáxia própria, o tempo
da poesia é se manifesta na enunciação das palavras que constituem o poema; a
sucessão de vocábulos no interior do
poema articula-se num tempo que não é histórico, nem psicológico, nem o mítico
– é um tempo imanente, gestado pela enunciação dos signos verbais e numa sequência irrepetível, pois cada poema é
único” p. 122
“Cumpre-se, no poema,
um tempo imanente à palavra, não condicionado ao ritmo do calendário, mas
dinâmico, “real”, uma espécie de presente-eterno exposto à nossa efemeridade
(...) a contagem das sílabas, a indicação das cesuras e pausas, o esquema das
rimas, a marcação da cadência, etc., fornecem dados externos, que não podem ser
confundidos com o tempo.
“a palavra poética
estrutura-se com base numa tensão múltipla, de natureza rítmica, emotiva,
conceitual ou semântica. Aqueles expedientes versificatóriso servem à
compreensão dessa tríplice tensão, mas não a desencadeiam. E essa tensão que
assinala a presença, no texto, de um tempo sem igual, ambíguo por natureza, que
transcorre no circuito das palavras. Tudo se passa como se as três dimensões do
tempo se fundissem numa só: a dimensão emocional, a dimensão semântica e a dimensão
rítmica, entrelaçadas numa duração dialética.
“(...) Se a palavra é o
habitat do ser, a palavra poética é a sua morada eleita, porque acima das
contingências, a da História, a da consciência e a do mito:“ a poesia é a
instauração do ser como palavra” ( Heidegger 1958: 107).”
HISTÓRICO
DO ROMANCE
(...) no Brasil o
romance chegou tardiamente, e não raro mesclado de expedientes novelescos : só
com Joaquim Manoel de Macedo( A Moreninha, 1844) começa de vez os eu cultivo
entre nós, mas é com José de Alencar ( O Guarani, 1857) que passa a ser
largamente cultivado. Ligado a figurinos europeus ( Alexandre Dumas Filho,
Walter Scott, Eugênio Sue, Balzac), ou a americanos ( Fenimore Cooper),
propunha-se a valorizar os temas
nacionais ( o indinianismo, o sertanismo, os temas históricos e urbanos)
Com o Realismo, o romance vive um período de grandeza indiscutível, com Machado
de Assis, Aluisio Azevedo, Inglês de Souza(...) Lima Barretoe Graça Aranha intentam à luz das doutrinas
simbolistas, nacionalizar ainda mais o romance, mas é com o modernismo de 1922
em diante que ele atinge a sua maior altura observada até hoje. A partir
de 1930, vêm surgindo alguns nomes de
primeira categoria, dentro e fora das fronteiras do país: Jorge Amado, José Lins do Rego(...) “.
P. 388
Romance- a composição-
“As técnicas de
composição, em número ilimitado, nascem dos arranjos possíveis dessas células
dramáticas, tudo dependendo da imaginação e do talento do romancista. Não há um
esquema rígido nem prévio: cada situação dramática é um caso à parte, único,
distinto dos outros, de acordo com a substância da obra; cada romance formula
as próprias convenções e leis, sempre atendendo às exigências que fazem dele um
romance e não um conto ou novela. “ p.488
“(...)agrupar o romance
em dois tipos fundamentais, conforme a relevância da técnica empregada.
Entendamos, porém, que esta resulta do modo como o romancista encara realidade,
o que permite supor duas técnicas de composição e duas muldividências equivalentes
e, até certo ponto, recíprocas. Desse modo, falar das técnicas é falar das visões de mundo e vice-versa. P.
488.
“ Primeira: o
romancista abstrai da realidade viva, circundante, uma estrutura orgânica, em
consequência de abstrair o mundo. O romancista ordena e unifica racionalmente
os dados recolhidos por sua sensibilidade segundo um cânone que apenas rege a
obra escrita, e não o mundo real de onde a sua intuição partiu. O romance
torna-se um universo fechado, autônomo, paralelo ao outro que espelha ou em
quem se espelha. Esse processo de composição, literário por excelência, não
pretende reproduzir a realidade vital, mas criar um mundo todo seu,
independente, regulado por normas que não cabem no mundo real. É a técnica
adotada pelo romance linear ou progressivo.
p.488
“ Segunda: o romancista
procura imitar o mundo e a natureza, notadamente no seu aspecto caótico. Guiado
pela sua sensibilidade liberta de pressupostos lógicos, procura captar a
realidade viva tal qual se lhe apresenta no plano dos sentidos, por outras
palavras, extrair da realidade a sua estrutura dinâmica e descontínua, -
esquiva às racionalizações. O romance , por isso, utiliza uma estruturação
semelhante à da realidade flutuante que o escritor procura desvendar e
conhecer. É o caso do romance vertical e analítico” p.488. 489.
“ (...). O romance linear ou progressivo adota
técnicas monofônicas, isto é, em que só um tema, só um ritmo ou uma só escala
musical orienta o andamento da história, a tal ponto que acabam sendo
monótonas, inclusive no sentido pejorativo do termo. (...) O narrador está mais
interessado na história do que em criar uma obra, escrever um livro: os meios
se empobrecem para favorecer o propósito exclusivo de trançar o enredo; o
romance, como recriação polivalente do mundo( que demandaria uma técnicas), não
conta para ele. p. 489.
“ (...). Em razão da
monofonia, aliada à incidência de postulados ideológicos, pode ainda ocorrer
que o ficcionista construa o romance( e, portanto reconstrua a realidade) como
se estivesse demonstrando um teorema. Processo mais falso que o anterior, pois
teorema e construção romanesca se antagonizam por natureza, o seu emprego –
como durante o Realismo e o Naturalismo – pode violentar a matriz vital de onde mana a plausilidade do romance como
recriação do mundo.. E , por isso,
acabou de se transformar num processo artificial e mecânico, sobretudo nas mãos
de ficcionista inábeis. “ p.489
“ (...) , o romance
vertical adota técnica polifônica ou sinfônica uma vez que “ o romance se
constrói como uma sinfonia, em que as vozes se equilibram, se casam , se
respondem, em que brilham grandes temas , tratados em tons e tempos diversos,
em que todas as variações se encadeiam a partir de uma ‘ ouverture’ majestosa
que domina a obra, pois imediatamente cria para ela um clima particular, mas
permanecendo em lugar, evita criar, por sua amplificação desmesurada, uma
hipertrofia que lhe romperia o equilíbrio” (idem, 199-2000; Backitin 1988).”
P.490
“ Essa técnica
pressupões a transposição, para o plano ficcional, do caos em que mergulha o
mundo real quando analisado sem preconceitos matemáticos ou lógicos. O romance
que o adota, o analítico, aproxima-se da
vida pela estrutura desordenada em que se sustenta, mas é preciso cautela para
julgar essa mimese. Eis por que o romance vertical continua a proceder
basicamente como o linear, sob pena de perder a fisionomia literária: a sua
estrutura obedece a determinadas
convenções e leis próprias da ficção, e não às que norteiam o mundo dos seres
vivos. Trata-se de um caos literário,
organizado e fixado, pelo fato de o romance conter uma visão da
realidade. (...) . O romance flagra uma das metamorfoses do cenário existencial
e confere-lhe atestado de permanência e imutabilidade. O caos do romance será
sempre igual a si próprio, e reflexo de transposição de um instante de panorama
universal, ao passo que este corre sem parar em várias direções. A entropia do
mundo reflete-se no microssomo romanesco e deixa-se contemplar. P.491
“ . O romance sinfônico
ou polifônico procura refletir a realidade em todas as suas dimensões, e não
apenas em linha reta, como se lhe catasse a essência, que é uma esfera e não um
retângulo( como faz crer o romance linear) (...) como se o ficcionista, vendo o
mundo em determinado momento, conseguisse apreender-lhe a face coberta de
sombras no simples desejo de concentrá-lo numa síntese polifônica. Ou como se
imobilizasse um momento que representa o permanente fluir para o desconhecido.,
de forma que, numa visada, se apreendessem também os sinais do que o mundo já foi e do que virá a ser nas futuras mutações. O
romance simbolizaria o passageiro e o perene das coisas, seja pela estrutura
sinfônica , utilizada, seja pelos dados
misteriosos , que a sensibilidade do ficcionista detecta no instante de
visualizar o mundo no seu ininterrupto dinamismo.. p. 491
“Assim se explicaria o
alcance de certas narrativas e de
certas epopeias: sintonizam o
transitório e nele divisam o perene, tornando-se espelhos em que as gerações se
miram como se recuperassem modos de ser conservados no inconsciente coletivo.
Autênticos microssomos, tais romances e poemas épico significam o esforço que
todo ser humano empreende a fim de compreender a complexidade do mundo, bem
como de encerrá-la numa suma perfeita e tentar resolver os enigmas que a sua
inteligência cria ou desvenda. “ p.491
(...). Uma simples
incidência no viver de cada indivíduo repercute um movimento geral, composto da
soma de ocorrências individuais interligadas, e deflagra ao mesmo tempo um
processo que vai exercer, por sua vez, influêcia em tudo o mais à sua volta.
P.492.
(...) . Um perfume, uma
cor, uma nota musical, um detalhe físico, um tudo-nada pode provocar sutil e
profusa imersão no tempo ou na memória, que irá associar-se , por contágio, a
incontáveis peculiaridades da vida social. Tal processo de simultaneidade se
desenrola no presente, como horizontalidade, e no passado, como verticalidade,
tudo compondo inextricável amálgama. Essa técnica, que explora as sinestesias
em toda a sua extensão torna-se a chave
do romance vertical, como bem exemplifica a ficção de Proust. P. 492
“(...). De certo modo,
o romancista tenta, conscientemente ou não, criar um microssomo ficcional
semelhante ao cosmo que lhe serve de modelo. Nas literaturas vernáculas, o processo
tem sido poucas vezes empregado, e sem maior êxito, como resultado de uma conjuntura
histórico-cultural cujo exame não cabe
no espaço destas considerações. Os poucos exemplos mencionáveis situam-se nos
primeiros degraus em matéria de complexidade. O Cortiço emprega, conquanto de
forma embrionária, a polifonia simultaneísta. P.492
“(...) , a técnica
polifônica aproxima-se da vida, não da
aparente, mas da subterrânea, de que só nos apercebemos quando dela
abstraímos o transitório, ou procuramos vê-la de perto. Contudo, é mais
vida que a simplicidade linear do romance progressivo. “p. 493
“Paradoxalmente, o
leitor médio parece reconhecer-se mais no romance linear do que no “vertical”,
talvez por buscar na leitura uma esfera além da vida, um narcótico para os
sentido, ou porque não alcança enxergar , nem na vida nem no romance vertical,
as suas dimensões ocultas e significativas. Na história que lhe simplifica
esquematiza o real, ele se encontra e se completa; na outra, não. Por isso, o
romance vertical continua ainda de circulação erudita de leitores cultos ou de
intelectuais, capazes de abstração ou de valorizar uma visão microscópica do
mundo; e o linear é preferido pelo leitor menos interessado nos componentes
estéticos e filosóficos do romance do que no fluir da história, ou pelos
intelectuais menos exigentes, que só atinam com as passagens descritivas do
romance, ou com aquelas que correspondem à defesa da sua crença ideológica. P.
494
O
romance e as demais formas de conhecimento
(...) , a Literatura
reflete as condições ambientais em que
se desenvolve , assim como a Filosofia, as ci~encias, as religiões e as demais
artes, mas não se explicam somente pelo contexto social. É certo, pois, que a
atividade literária recebe influência externa, seja no ambiente , seja das
outras formas de expressão da realidade. Contudo, não se perca de vista
que também atua sobre o contexto à sua
volta, num movimento de permuta que jamais
cessa. P. 517
(...). E entre as
formas em prosa, cabe ao romance papel relevante: além de exercer impacto na
vida, colaborando para que os leitores construam a sua muldividência, absorve e
integra os fluxos que partem da história, da psicologia, das artes, etc. Tudo parece convergir para o
romance, tudo procura ser, não um livro, como queria Mallarmé, mas um romance.
“Eis por que a obra completa da prosa é o romance” ( Alain 1963: 313) “ p. 517
(...) ; o romance tende
a atrair para dentr4o dos seus limites
as outras formas em prosa, ou a impor-lhes mudança substancial. Mais ainda,
qual poderosa calafita, imanta a poesia e o teatro e acaba por assimilá-los: “
o romance é um gênero imperialista. Nele há uma vontade de domínio e um poder de absorção comparáveis aos da raça
anglo-saxônica. Se começou a nutrir-se
com as sobras da poesia e do teatro, agora está à mesa; a casa lhe pertence e eles devem
abandoná-la[...] o romance devora tudo” ( Thibaudet 1963: 156). Como essa
galvanização se afigura o tópico mais significativo do capítulo das relações
entre a Literatura e as demais formas de conhecimento, nele deteremos a
atenção. “ p. 517.
Romance
e poesia
“ A cosmovisão
ficcional , recriador ado mundo, carrega poesia nas bases, segundo um mecanismo
fácil de entender: fruto da imaginação(mais a observação e a memória), o romance
escapa de ser uma fotografia da realidade para se tornar uma visão pessoal ,
subjetiva. O ficcionista deforma a realidade por via da imaginação , buscando
acomodá-la nos limites e nas estruturas
que seleciona para esse fim: ora, tanto as estruturas são
paraestruturas, resultantes da imaginação transfiguradora do real, como o são
as metáforas de que o escritor se vale para erguê-las e exprimi-las. A dinâmica
que aciona o imaginar, o estruturar e o metaforizar corresponde a ações que
implicam poesia, com a condição de se coordenarem e de se integrarem na matéria
do romance” . p. 520.
“ Com efeito, o romance
introspectivo eo psicológico trouxeram nova concepção de realismo e realidade.
Não mais o “real por fora” , mas o “real
por dentro”: o olhar não detecta apenas o “fora”, mas também o “dentro “
dos seres e objetos, como se o romancista , podendo radiográfa-los, lhes
sondasse os labirintos interiores. Considerada superfície do mundo ilusão
passageira, a essência das coisas torna-se agora o foco da atenção. De repente,
as coisas , tachadas de inertes pelo realismo anterior, entram a agitar-se ,
como animadas por um misterioso moto-contínuo. O mundo torna-se palco de
enigmas, e cada objeto um vórtice em que se perde o olhar extasiado do romancista.
Tudo ganha estranha fisionomia, como se o mundo fosse habitado por seres
desconhecidos em perpétuo dinamismo e a exercer forte pressão sobre as
criaturas pensantes. Como diria Fernando Pessoa, tudo vira do avesso e
entrega-se a frenesis sem pausa, sob o comando de magias e bruxedos. O real é,
agora, esse mundo novo desvendado, e não mais o outro, composto de seres em
repouso e oferecidos à visão preconceituosa do romancista”. P. 522
HISTÓRICO
DO ROMANCE
(...) no Brasil o
romance chegou tardiamente, e não raro mesclado de expedientes novelescos : só
com Joaquim Manoel de Macedo( A Moreninha, 1844) começa de vez os eu cultivo
entre nós, mas é com José de Alencar ( O Guarani, 1857) que passa a ser
largamente cultivado. Ligado a figurinos europeus ( Alexandre Dumas Filho,
Walter Scott, Eugênio Sue, Balzac), ou a americanos ( Fenimore Cooper),
propunha-se a valorizar os temas
nacionais ( o indinianismo, o sertanismo, os temas históricos e urbanos)
Com o Realismo, o romance vive um período de grandeza indiscutível, com Machado
de Assis, Aluisio Azevedo, Inglês de Souza(...) Lima Barretoe Graça Aranha intentam à luz das doutrinas
simbolistas, nacionalizar ainda mais o romance, mas é com o modernismo de 1922
em diante que ele atinge a sua maior altura observada até hoje. A partir
de 1930, vêm surgindo alguns nomes de
primeira categoria, dentro e fora das fronteiras do país: Jorge Amado, José Lins do Rego(...) “.
P. 388
Moisés,Massaud
. A Análise Literária. Ed. rev.e atual. – São Paulo: Cultrix, 2012.
GLOSSÁRIO EXPLICATIVO
DE ESTUDO . ALGUNS TERMOS DA LITERATURA
Liame: substantivo
masculino .1.ato ou efeito de liar(-se).
2. tudo o que prende, une ou liga; ligação;
vínculo. "l. espirituais" ( vínculo)
Prosa :substantivo feminino .1.expressão natural da
linguagem escrita ou falada, sem metrificação intencional e não sujeita a
ritmos regulares.
2.p.ext. aquilo que é
material, cotidiano, sem poesia.
"a p. da
realidade"
Esteta.1. substantivo de dois gêneros
pessoa que professa o
culto do belo.
2. fil especialista em
estética.
Proteiforme :adj. Que
muda de forma frequentemente (como Proteu, deus da mitologia grega).
mundividência
mun.di.vi.dên.ci.a
[mũdiviˈdẽsjɐ]
nome feminino
1. FILOSOFIA visão do mundo, conceção do
mundo
2. conceção do mundo que penetra a vida
espiritual do Homem
3. ideia geral da organização do cosmos de
acordo com as descobertas científicas
4. conjunto de intuições características
de um tipo humano ou cultural que condicionam a ciência e, de modo especial, as
formas normativa
1.
Cosmovisão
Significado de
Cosmovisão Por Dicionário inFormal (SP) em 15-07-2008
Cosmo: mundo ou
universo + visão: exergar algo, ver.
Concepção ou visão de
mundo.
Cada cultura carrega
consigo uma forma particular de ver a natureza que o rodeia. Os gregos enxergavam
o mundo de forma diferente dos persas. Cada um tinha uma cosmovisão diferente.
" Primeiro: A
análise constitui, precipuamente, um modo de ler, de ver o texto e de, portanto
, ensinar a ler e a ver" p. 26
Segundo: " Ensinar a ler implica o leitor ou o
educando a ver, a escolher o mais importante, não propriamente a julgá-lo, o
que constitui desígnio da crítica literária, embora para lá o convide (...)Quem
analisa , assinala no texto a parte objetiva e imediata, não parte subjetiva e
mediata, pois esta escapa dos propósitos da análise, além de reclamar um longo
tirocínio na aplicação de um conjunto de informações de ordem cultural,
afetiva, etc.., que nenhum um livro, sozinho poderá dar. Nem mesmo uma
biblioteca inteira. p. 27.
Terceiro " A
análise deve abster-se de adjetivar.(...) pode gerar em logomania na mão do
principiante(...) classificar, ordenar , nunca estabelecer juízos de valor. p.
27. 28
Quarto: (...)
exemplifica a obrigação que o analista tem de interrogar o texto em seu
"como" e seu por quê" Somente com tais indagações o texto se
franqueia à curiosidade do leitor" p.28
Quinto: " o texto
literário, sendo composto de metáforas, é ambíguo por natureza, guarda uma
multiciplidade de sentidos. Ler mal significa não perceber a extensão dessa
ambiguidade ou polissemia, ou apenas percebê-la sem poder compreendê-la ou
justificá-la(...) p. 28
HISTÓRICO
DO ROMANCE
(...) no Brasil o
romance chegou tardiamente, e não raro mesclado de expedientes novelescos : só
com Joaquim Manoel de Macedo( A Moreninha, 1844) começa de vez os eu cultivo
entre nós, mas é com José de Alencar ( O Guarani, 1857) que passa a ser
largamente cultivado. Ligado a figurinos europeus ( Alexandre Dumas Filho,
Walter Scott, Eugênio Sue, Balzac), ou a americanos ( Fenimore Cooper),
propunha-se a valorizar os temas
nacionais ( o indinianismo, o sertanismo, os temas históricos e urbanos)
Com o Realismo, o romance vive um período de grandeza indiscutível, com Machado
de Assis, Aluisio Azevedo, Inglês de Souza(...) Lima Barretoe Graça Aranha intentam à luz das doutrinas
simbolistas, nacionalizar ainda mais o romance, mas é com o modernismo de 1922
em diante que ele atinge a sua maior altura observada até hoje. A partir
de 1930, vêm surgindo alguns nomes de
primeira categoria, dentro e fora das fronteiras do país: Jorge Amado, José Lins do Rego(...) “.
P. 388
Romance- a composição-
“As técnicas de
composição, em número ilimitado, nascem dos arranjos possíveis dessas células
dramáticas, tudo dependendo da imaginação e do talento do romancista. Não há um
esquema rígido nem prévio: cada situação dramática é um caso à parte, único,
distinto dos outros, de acordo com a substância da obra; cada romance formula
as próprias convenções e leis, sempre atendendo às exigências que fazem dele um
romance e não um conto ou novela. “ p.488
“(...)agrupar o romance
em dois tipos fundamentais, conforme a relevância da técnica empregada.
Entendamos, porém, que esta resulta do modo como o romancista encara realidade,
o que permite supor duas técnicas de composição e duas muldividências
equivalentes e, até certo ponto, recíprocas. Desse modo, falar das técnicas é falar das visões de mundo e vice-versa. P.
488.
“ Primeira: o
romancista abstrai da realidade viva, circundante, uma estrutura orgânica, em
consequência de abstrair o mundo. O romancista ordena e unifica racionalmente
os dados recolhidos por sua sensibilidade segundo um cânone que apenas rege a
obra escrita, e não o mundo real de onde a sua intuição partiu. O romance
torna-se um universo fechado, autônomo, paralelo ao outro que espelha ou em
quem se espelha. Esse processo de composição, literário por excelência, não
pretende reproduzir a realidade vital, mas criar um mundo todo seu,
independente, regulado por normas que não cabem no mundo real. É a técnica
adotada pelo romance linear ou progressivo.
p.488
“ Segunda: o romancista
procura imitar o mundo e a natureza, notadamente no seu aspecto caótico. Guiado
pela sua sensibilidade liberta de pressupostos lógicos, procura captar a
realidade viva tal qual se lhe apresenta no plano dos sentidos, por outras
palavras, extrair da realidade a sua estrutura dinâmica e descontínua, -
esquiva às racionalizações. O romance , por isso, utiliza uma estruturação
semelhante à da realidade flutuante que o escritor procura desvendar e
conhecer. É o caso do romance vertical e analítico” p.488. 489.
“ (...). O romance linear ou progressivo adota
técnicas monofônicas, isto é, em que só um tema, só um ritmo ou uma só escala
musical orienta o andamento da história, a tal ponto que acabam sendo
monótonas, inclusive no sentido pejorativo do termo. (...) O narrador está mais
interessado na história do que em criar uma obra, escrever um livro: os meios
se empobrecem para favorecer o propósito exclusivo de trançar o enredo; o
romance, como recriação polivalente do mundo( que demandaria uma técnicas), não
conta para ele. p. 489.
“ (...). Em razão da
monofonia, aliada à incidência de postulados ideológicos, pode ainda ocorrer
que o ficcionista construa o romance( e, portanto reconstrua a realidade) como
se estivesse demonstrando um teorema. Processo mais falso que o anterior, pois
teorema e construção romanesca se antagonizam por natureza, o seu emprego –
como durante o Realismo e o Naturalismo – pode violentar a matriz vital de onde mana a plausilidade do romance como
recriação do mundo.. E , por isso,
acabou de se transformar num processo artificial e mecânico, sobretudo nas mãos
de ficcionista inábeis. “ p.489
“ (...) , o romance
vertical adota técnica polifônica ou sinfônica uma vez que “ o romance se
constrói como uma sinfonia, em que as vozes se equilibram, se casam , se
respondem, em que brilham grandes temas , tratados em tons e tempos diversos,
em que todas as variações se encadeiam a partir de uma ‘ ouverture’ majestosa
que domina a obra, pois imediatamente cria para ela um clima particular, mas
permanecendo em lugar, evita criar, por sua amplificação desmesurada, uma
hipertrofia que lhe romperia o equilíbrio” (idem, 199-2000; Backitin 1988).”
P.490
“ Essa técnica
pressupões a transposição, para o plano ficcional, do caos em que mergulha o
mundo real quando analisado sem preconceitos matemáticos ou lógicos. O romance
que o adota, o analítico, aproxima-se da
vida pela estrutura desordenada em que se sustenta, mas é preciso cautela para
julgar essa mimese. Eis por que o romance vertical continua a proceder
basicamente como o linear, sob pena de perder a fisionomia literária: a sua
estrutura obedece a determinadas
convenções e leis próprias da ficção, e não às que norteiam o mundo dos seres
vivos. Trata-se de um caos literário,
organizado e fixado, pelo fato de o romance conter uma visão da
realidade. (...) . O romance flagra uma das metamorfoses do cenário existencial
e confere-lhe atestado de permanência e imutabilidade. O caos do romance será
sempre igual a si próprio, e reflexo de transposição de um instante de panorama
universal, ao passo que este corre sem parar em várias direções. A entropia do
mundo reflete-se no microssomo romanesco e deixa-se contemplar. P.491
“ . O romance sinfônico
ou polifônico procura refletir a realidade em todas as suas dimensões, e não
apenas em linha reta, como se lhe catasse a essência, que é uma esfera e não um
retângulo( como faz crer o romance linear) (...) como se o ficcionista, vendo o
mundo em determinado momento, conseguisse apreender-lhe a face coberta de
sombras no simples desejo de concentrá-lo numa síntese polifônica. Ou como se
imobilizasse um momento que representa o permanente fluir para o desconhecido.,
de forma que, numa visada, se apreendessem também os sinais do que o mundo já foi e do que virá a ser nas futuras mutações. O
romance simbolizaria o passageiro e o perene das coisas, seja pela estrutura
sinfônica , utilizada, seja pelos dados
misteriosos , que a sensibilidade do ficcionista detecta no instante de
visualizar o mundo no seu ininterrupto dinamismo.. p. 491
“Assim se explicaria o
alcance de certas narrativas e de
certas epopeias: sintonizam o
transitório e nele divisam o perene, tornando-se espelhos em que as gerações se
miram como se recuperassem modos de ser conservados no inconsciente coletivo.
Autênticos microssomos, tais romances e poemas épico significam o esforço que
todo ser humano empreende a fim de compreender a complexidade do mundo, bem
como de encerrá-la numa suma perfeita e tentar resolver os enigmas que a sua
inteligência cria ou desvenda. “ p.491
(...). Uma simples
incidência no viver de cada indivíduo repercute um movimento geral, composto da
soma de ocorrências individuais interligadas, e deflagra ao mesmo tempo um
processo que vai exercer, por sua vez, influêcia em tudo o mais à sua volta.
P.492.
(...) . Um perfume, uma
cor, uma nota musical, um detalhe físico, um tudo-nada pode provocar sutil e
profusa imersão no tempo ou na memória, que irá associar-se , por contágio, a
incontáveis peculiaridades da vida social. Tal processo de simultaneidade se desenrola
no presente, como horizontalidade, e no passado, como verticalidade, tudo
compondo inextricável amálgama. Essa técnica, que explora as sinestesias em
toda a sua extensão torna-se a chave do
romance vertical, como bem exemplifica a ficção de Proust. P. 492
“(...). De certo modo,
o romancista tenta, conscientemente ou não, criar um microssomo ficcional
semelhante ao cosmo que lhe serve de modelo. Nas literaturas vernáculas, o
processo tem sido poucas vezes empregado, e sem maior êxito, como resultado de uma conjuntura
histórico-cultural cujo exame não cabe
no espaço destas considerações. Os poucos exemplos mencionáveis situam-se nos
primeiros degraus em matéria de complexidade. O Cortiço emprega, conquanto de
forma embrionária, a polifonia simultaneísta. P.492
“(...) , a técnica
polifônica aproxima-se da vida, não da
aparente, mas da subterrânea, de que só nos apercebemos quando dela
abstraímos o transitório, ou procuramos vê-la de perto. Contudo, é mais
vida que a simplicidade linear do romance progressivo. “p. 493
“Paradoxalmente, o
leitor médio parece reconhecer-se mais no romance linear do que no “vertical”,
talvez por buscar na leitura uma esfera além da vida, um narcótico para os
sentido, ou porque não alcança enxergar , nem na vida nem no romance vertical,
as suas dimensões ocultas e significativas. Na história que lhe simplifica
esquematiza o real, ele se encontra e se completa; na outra, não. Por isso, o
romance vertical continua ainda de circulação erudita de leitores cultos ou de
intelectuais, capazes de abstração ou de valorizar uma visão microscópica do
mundo; e o linear é preferido pelo leitor menos interessado nos componentes
estéticos e filosóficos do romance do que no fluir da história, ou pelos
intelectuais menos exigentes, que só atinam com as passagens descritivas do
romance, ou com aquelas que correspondem à defesa da sua crença ideológica. P.
494
O
romance e as demais formas de conhecimento
(...) , a Literatura
reflete as condições ambientais em que
se desenvolve , assim como a Filosofia, as ci~encias, as religiões e as demais
artes, mas não se explicam somente pelo contexto social. É certo, pois, que a
atividade literária recebe influência externa, seja no ambiente , seja das
outras formas de expressão da realidade. Contudo, não se perca de vista
que também atua sobre o contexto à sua
volta, num movimento de permuta que
jamais cessa. P. 517
(...). E entre as
formas em prosa, cabe ao romance papel relevante: além de exercer impacto na
vida, colaborando para que os leitores construam a sua muldividência, absorve e
integra os fluxos que partem da história, da psicologia, das artes, etc. Tudo parece convergir para o
romance, tudo procura ser, não um livro, como queria Mallarmé, mas um romance.
“Eis por que a obra completa da prosa é o romance” ( Alain 1963: 313) “ p. 517
(...) ; o romance tende
a atrair para dentr4o dos seus limites
as outras formas em prosa, ou a impor-lhes mudança substancial. Mais ainda, qual
poderosa calafita, imanta a poesia e o teatro e acaba por assimilá-los: “ o
romance é um gênero imperialista. Nele há uma vontade de domínio e um poder de absorção comparáveis aos da raça
anglo-saxônica. Se começou a nutrir-se
com as sobras da poesia e do teatro, agora está à mesa; a casa lhe pertence e eles devem
abandoná-la[...] o romance devora tudo” ( Thibaudet 1963: 156). Como essa
galvanização se afigura o tópico mais significativo do capítulo das relações
entre a Literatura e as demais formas de conhecimento, nele deteremos a
atenção. “ p. 517.
Romance
e poesia
“ A cosmovisão
ficcional , recriador ado mundo, carrega poesia nas bases, segundo um mecanismo
fácil de entender: fruto da imaginação(mais a observação e a memória), o
romance escapa de ser uma fotografia da realidade para se tornar uma visão pessoal
, subjetiva. O ficcionista deforma a realidade por via da imaginação , buscando
acomodá-la nos limites e nas estruturas
que seleciona para esse fim: ora, tanto as estruturas são
paraestruturas, resultantes da imaginação transfiguradora do real, como o são
as metáforas de que o escritor se vale para erguê-las e exprimi-las. A dinâmica
que aciona o imaginar, o estruturar e o metaforizar corresponde a ações que
implicam poesia, com a condição de se coordenarem e de se integrarem na matéria
do romance” . p. 520.
“ Com efeito, o romance
introspectivo eo psicológico trouxeram nova concepção de realismo e realidade.
Não mais o “real por fora” , mas o “real
por dentro”: o olhar não detecta apenas o “fora”, mas também o “dentro “
dos seres e objetos, como se o romancista , podendo radiográfa-los, lhes
sondasse os labirintos interiores. Considerada superfície do mundo ilusão
passageira, a essência das coisas torna-se agora o foco da atenção. De repente,
as coisas , tachadas de inertes pelo realismo anterior, entram a agitar-se ,
como animadas por um misterioso moto-contínuo. O mundo torna-se palco de
enigmas, e cada objeto um vórtice em
que se perde o olhar extasiado do
romancista. Tudo ganha estranha fisionomia, como se o mundo fosse habitado por
seres desconhecidos em perpétuo dinamismo e a exercer forte pressão sobre as
criaturas pensantes. Como diria Fernando Pessoa, tudo vira do avesso e
entrega-se a frenesis sem pausa, sob o comando de magias e bruxedos. O real é,
agora, esse mundo novo desvendado, e não mais o outro, composto de seres em
repouso e oferecidos à visão preconceituosa do romancista”. P. 522
HISTÓRICO
DO ROMANCE
(...) no Brasil o
romance chegou tardiamente, e não raro mesclado de expedientes novelescos : só
com Joaquim Manoel de Macedo( A Moreninha, 1844) começa de vez os eu cultivo
entre nós, mas é com José de Alencar ( O Guarani, 1857) que passa a ser
largamente cultivado. Ligado a figurinos europeus ( Alexandre Dumas Filho,
Walter Scott, Eugênio Sue, Balzac), ou a americanos ( Fenimore Cooper),
propunha-se a valorizar os temas
nacionais ( o indinianismo, o sertanismo, os temas históricos e urbanos)
Com o Realismo, o romance vive um período de grandeza indiscutível, com Machado
de Assis, Aluisio Azevedo, Inglês de Souza(...) Lima Barretoe Graça Aranha intentam à luz das doutrinas
simbolistas, nacionalizar ainda mais o romance, mas é com o modernismo de 1922
em diante que ele atinge a sua maior altura observada até hoje. A partir de 1930, vêm surgindo alguns nomes de primeira
categoria, dentro e fora das fronteiras do
país: Jorge Amado, José Lins do Rego(...) “. P. 388
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